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Fantasia em fibra de vidro

Na esteira das cirurgias estéticas, fabricantes de manequins da Venezuela apostam em versões 'turbinadas' dos modelos

WILLIAM NEUMAN DO "NEW YORK TIMES", EM VALENCIA (VENEZUELA)

Frustrado com as vendas modestas de sua pequena fábrica de manequins, Eliezer Álvarez fez uma observação simples: as mulheres venezuelanas estão cada vez mais recorrendo a cirurgias plásticas para transformar seus corpos, mas os manequins das lojas de roupas não refletiam essas novas --e muitas vezes extremas-- proporções.

Por isso ele voltou à oficina e criou o tipo de mulher que acreditava ser o desejo do público. Com seios avantajados e nádegas pronunciadas, cintura de vespa e pernas longas: uma fantasia em fibra de vidro, ao modo venezuelano.

As vendas cresceram tanto quanto as medidas salientes do novo manequim.

Agora, os manequins de Álvarez e de outros produtores se tornaram o padrão nas lojas de toda a Venezuela, servindo como visão exagerada, às vezes polarizadora, da forma feminina.

Os manequins estão tanto nas pequenas lojas de bairros como nas vitrines das butiques elegantes dos grandes shoppings.

A arte de Álvarez talvez tivesse por motivação imitar a vida. Mas, numa cultura repleta de imagens, a vida está retribuindo o elogio.

"Você vê uma mulher como essa e logo pensa que quer se parecer com ela", disse Reina Parada, que lixava o o torso de um boneco na fábrica de Álvarez. Mesmo sem dinheiro para isso, ela diz que um dia gostaria de fazer uma plástica e usar implantes. "Melhora a sua autoestima".

'OPERADA'

As cirurgias cosméticas são uma moda tão forte na Venezuela que uma mulher que tenha implantes é definida casualmente como "operada".

Elas conversam livremente sobre suas plásticas, e os fabricantes de manequins se referem jocosamente às suas criações como igualmente "operadas". Sócia de Álvarez, Nereida Corro define o manequim mais vendido da fábrica, com suas proporções infladas, como "normal".

O apego à cirurgia plástica tromba com a ideologia socialista do governo e com sua retórica de criar uma sociedade livre de comercialismo.

Hugo Chávez, que presidiu o país por 14 anos e morreu em março, dissera ser "monstruoso" que mulheres pobres gastassem dinheiro com implantes de seios quando tinham dificuldade para manter as contas em dia.

A cada manhã, Yaritza Molina posiciona diversos manequins na entrada da pequena loja de roupas que gerencia em Coro, uma cidade no oeste da Venezuela. E sempre cuida para que dois deles fiquem à frente dos demais. "São as princesas", ela diz. "Têm os melhores bustos".

"Tenho muitas clientes que chegam aqui e dizem que querem ser parecidas com o manequim", conta Molina. "E eu respondo que está bem, é só fazerem uma operação".

Como em muitos países, a obsessão acarreta perigos.

Nos dois últimos anos, a imprensa local reportou diversos casos de mulheres que morreram depois de receber injeções contaminadas em tratamentos que deveriam firmar seus glúteos.

ARTESANAL

A disparada nas vendas de manequins de busto grande permitiu que Corro e Álvarez construíssem uma nova oficina neste ano, onde as figuras são produzidas à mão, num processo com pouquíssimo uso de tecnologia.

Dezenas de manequins semiprontos estão organizados em fileiras ordeiras, como robôs silenciosos com bustos proeminentes, levando a estética do exagero aos seus mais extremos limites.

Na oficina há uma dúzia de pessoas trabalhando. Algumas aplicam uma camada fina de resina marrom pastosa e posicionam faixas de fibra de vidro nos moldes; depois de a mistura secar, removem os torsos, braços e porções frontais e traseiras de corpos artificiais dos moldes.

Outros colam as diferentes partes dos manequins para montá-los, pintam as peças concluídas com tinta spray ou dão os toques finais nos manequins prontos, carregando-os para entrega em uma picape que traz no para-brisa um adesivo com a frase "Jesus é minha paz".

Corro, a sócia de Álvarez, diz que, até recentemente, "os manequins eram naturais, como as mulheres são naturais. As transformações ocorreram tanto nas mulheres como nos manequins".

Mary Angola, outra fabricante de manequins em Valencia, diz que seus estilos passados vinham da Europa e dos EUA e refletiam mal o físico da mulher venezuelana. "São tão magrinhos".

Perto da oficina de Corro, trabalhadores usam processo semelhante para produzir manequins na fábrica de Daniela Mieles, 25, que fica na laje de sua casa.

As vendas vão bem, e Mieles diz que ela e o marido começaram a economizar dinheiro para que ela possa fazer implantes de seios, que numa clínica privada custa cerca de US$ 6,35 mil.


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