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Marcos Troyjo
Dilma e o 'Homem de Davos'
Após 2008, ressurge agora o Homo davosiensis, com os preceitos de competição e de produtividade
Dilma Rousseff vai ao Fórum Econômico Mundial em janeiro. Davos a acolherá com ceticismo. É como a elite planetária hoje vê o Brasil.
Difunde-se aos quatro cantos que, nos últimos dez anos, não aproveitamos "bons tempos para adotar boas medidas". Menos competitivos e dissociados de correntes de inovação e produção, estaríamos fadados a década e meia de crescimento medíocre. É preciso mudar essa percepção.
Para tanto, a presidente transcorrerá sobre o repertório social dos governos petistas --viabilizado até recentemente por boa macroeconomia e cenário externo favorável. Apresentará catálogo de oportunidades nas concessões energéticas e de infraestrutura.
Com este enredo, será saudada por bocejos e sorrisos amarelos. Nos Alpes, Dilma encontrará personagem há pouco combalido, mas agora revigorado: o "Homem de Davos".
Sinônimo de globalização profunda, o Homem de Davos foi mestre do ecossistema vigente entre duas quedas: a do Muro de Berlim e a do Lehman Brothers. O "mundo plano" era seu habitat natural. "Outsourcing" e derivativos, alguns de seus utensílios. Mercado livre, a essência de sua cosmovisão. Desregulamentação, seu dogma.
A Grande Recessão de 2008 abalou o Homo davosiensis. Emergiu outro tipo-ideal: o "Homem Estado-Capitalista". A nova espécie desafiou a globalização como meio e fim.
Inaugurou era de normatização financeira e protecionismo. Deixou de lado o "Made in the World" por políticas industriais nacionalistas. Propugnou modelo em que, supostamente, empregos, impostos e consumo interno são mais importantes que lucro, investimento e comércio.
O ente Estado-capitalista não se fortaleceu apenas em potências como os Brics, onde o estatismo é hipertrofiado. Ricos em crise também assistiram à prevalência da tecnocracia dirigista.
Alguns países utilizaram ferramentas Estado-capitalistas como "keynesianismo de ocasião". Remediado o setor financeiro e seus efeitos colaterais, retrai-se a presença estatal. Volta o jogo de mercado.
Nações parecem fazer do Estado-Capitalismo estratégia perene, válida a várias conjunturas. Eis o Brasil de Lula e Dilma. Ambos folgavam de que o país ia no rumo correto.
O problema é que o Estado-Capitalista cria um mundo caro --e ineficiente. Ainda forte, o nacionalismo econômico do último quinquênio começa a regredir. Projeção internacional da China, mega-acordos entre ricos e emergentes e a feroz disputa por talentos moldam a reglobalização que vem aí.
Ressurge, assim, o Homem de Davos. Muitos preceitos de produtividade e competição voltam à moda. É esse fortalecido homem davosiano que Dilma terá de convencer. Se só reproduzir a convicção moral da ladainha social-desenvolvimentista, falará a ouvidos de mercador.
Já, se quiser impressioná-lo, dirá que nenhum país é uma ilha. Que trabalha por um Brasil ágil, resiliente e conectado. Que além da manutenção do grau de investimento, implementará reformas que permitam ao país um "business grade". Se este for o caminho, Davos e Brasil podem estabelecer uma bela parceria.