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Clóvis Rossi

Egito volta às trevas

Terrorista não é a Irmandade Muçulmana, mas a ditadura militar que dá salto para trás de 60 anos

Ao caracterizar a Irmandade Muçulmana como "organização terrorista", a ditadura egípcia completou o mergulho nas trevas iniciado com o golpe que, em julho, depôs o presidente legítimo, o islamita Mohammed Mursi. Com isso, o Egito está retrocedendo 60 anos, até o primeiro banimento da Irmandade, decretado em 1954.

Desta vez é pior. Em 1954, depois de uma primeira onda repressiva contra os membros dessa confraria fundada em 1928, ela passou a ser relativamente tolerada.

Consequência: "A Irmandade tornou-se ubíqua na sociedade, construindo fidelidade como uma alternativa populista ao Estado egípcio, que não fornecia nem prosperidade nem bem-estar e sofria repetidas derrotas contra Israel", escreve Zachary Laub, do Council on Foreign Relations.

No fundo, é esse contraponto que explica o novo banimento. O que levou a ele não é a suposta agenda política da Irmandade (a islamização do país) nem muito menos o "terrorismo", que ela abandonou há pelo menos meio século. É o confronto entre o Exército, que controla o Estado desde a revolução de 1952, e um "Estado nas sombras que efetivamente fornecia bem-estar social, particularmente educação e saúde, onde o Estado fracassava", analisa Laub.

Resumindo: a história moderna do Egito é a história de um conflito entre as duas únicas instituições efetivamente existentes: as Forças Armadas e a Irmandade.

Nesse confronto, a democracia perde uma e outra vez, "por medo da democracia e falta de confiança na vontade coletiva", como diz o jurista Tarek al-Bishry. De fato, no curto intervalo em que se perdeu o medo da democracia, após a queda da ditadura anterior, a de Hosni Mubarak (1981-2011), ficou claro que a vontade coletiva favorecia majoritariamente a Irmandade.

Voltou o medo da democracia, de que dá prova o fato de que estão sendo presos, agora, não apenas líderes e militantes da Irmandade, mas também lideranças laicas que estiveram à frente das manifestações que levaram à queda de Mubarak. Lideranças, diga-se, que apoiaram a derrubada de Mursi e o golpe dos militares que agora os perseguem.

Nem os militares nem os laicos deram tempo para comprovar a tese de Carrie Wickham (Emory University), para quem, "embora a Irmandade tenha entrado no sistema político para mudá-lo, terminaria por ser mudada pelo sistema".

Wickham acha que interações com políticos e membros da sociedade fora do campo islamita moderaram algumas das posições políticas da confraria.

Agora que estão banidos do sistema político, o lógico é imaginar que os membros da Irmandade se radicalizem. Ainda mais que não lhes resta nem sequer a brecha de atuar na sociedade via ONGs assistencialistas, que estão sendo igualmente fechadas e perseguidas.

"Per­der sua rede de ONGs re­pre­sen­ta­ria um gol­pe muito du­ro pa­ra os Irmãos, pois a ela devem sua po­pu­la­ri­dade en­tre os mais pobres", disse a "El País" Moha­med Faiz, ana­lis­ta do cen­tro Al Ah­ram.

Não seria surpresa se se tornassem realmente terroristas.


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