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Barricadas no gelo

Ativistas contrários ao governo da Ucrânia montam aparato improvisado de guerra na principal praça da capital

DIOGO BERCITO DO ENVIADO A KIEV

Vitaly, 24, caminha pela praça da Independência com o rosto coberto por um lenço e as pernas protegidas por caneleiras de plástico.

Nas mãos, segura um comprido pedaço de pau. "Para se defender?", pergunta-lhe a reportagem da Folha. "Para atacar", responde o jovem.

O estudante, que não revela o seu sobrenome, faz parte do exército de manifestantes que, na quarta-feira passada, lutou contra as forças de segurança da Ucrânia entre nevasca, coquetéis molotov e pedradas.

Quatro foram mortos ali.

O rapaz parece contagiado pelo espírito em alerta ao redor da praça da Independência --que estava calma até o fim da tarde de ontem, quando os ocupantes voltaram a queimar pneus e a lançar coquetéis molotov contra os bloqueios policiais.

Vitaly ainda se lembra do embate recente e duvida da negociação entre o presidente Viktor Yanukovich e a oposição.

A expectativa de novos confrontos levou manifestantes a reforçarem as barricadas na praça. Em esforço comunitário, construíram um complicado aparato para resistir a um possível cerco pelas forças do governo.

Os registros de uma catapulta montada ali, mas já ausente durante a visita da reportagem, ajudam a criar nos arredores um cenário como os de "O Senhor dos Anéis", em meio aos instrumentos para o combate.

Manifestantes improvisam joelheiras, capacetes, escudos e espadas com os objetos cotidianos. Alguns também vão até a praça com calças militares camufladas.

Há diversas barricadas ao redor, em especial diante do ponto em que estão aglomeradas as forças de segurança da Ucrânia.

São como muros de cerca de três metros de altura construídos com sacos de gelo, pneus e madeira. Do lado de dentro, pilhas de pedras servem como munição.

Opositores dizem que a polícia infiltra água ali para congelar o solo e fazê-los escorregar. A reportagem da Folha encontra mutirões abrindo valas no gelo para escoar o líquido em um complexo sistema de aquedutos.

A água escorre por entre as barricadas, como rios estreitos. Homens com pás retiram frequentemente o gelo formado no caminho, mantendo os dutos desobstruídos.

Caixas recolhem doações para a causa, enquanto comida e uma espécie de quentão são distribuídos de graça.

Ludmila, uma das "avós da revolução", cozinha para os manifestantes aquartelados. "Quero que a Ucrânia tenha um desenvolvimento como o do Brasil. Quero que meus filhos nunca mais tenham de passar por isso", diz, apontando os arredores.

FORÇA

As estudantes de medicina Nadia Komezuk, 22, e Yulia Kitovska, 21, vestem jalecos improvisados com uma cruz no centro. Em um canto da praça, entregam um estoque de remédios a manifestantes.

"Não vejo sentido em ficar em casa", diz Kitovska. "Não estou interessada em política, mas eu quero ajudar as pessoas", afirma Komezuk.

"Esta é uma revolução", diz Konstantin Kutsar, 30, sentado entre barracas erguidas por partidos da oposição. "Quando policiais atacaram os estudantes na praça, todos vieram para cá."

Entre eles, Andrew Hudack, 20, que chegou ontem após viajar 800 quilômetros.

"Esses últimos meses fizeram de mim um nacionalista", afirma. "Mas estou um pouco assustado. Não vou para onde as balas estão."


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