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Entrevista da 2ª Dom Orani Tempesta

Igreja de Francisco não é mais a que só se defende

Arcebispo do Rio, que se tornará cardeal no dia 22, diz que grande mudança do papa foi tornar instituição mais ativa

CRISTINA GRILLO DO RIO

D. Orani Tempesta, 65, já tirou as medidas da roupa que vai usar em 22 de fevereiro, na Basílica de São Pedro.

Nesse dia, sob a bênção do papa Francisco, ele se tornará o mais novo cardeal brasileiro e passará a fazer parte do restrito grupo responsável pelos rumos da igreja e por escolher o ocupante do cargo máximo de sua hierarquia.

Anfitrião da primeira viagem internacional do papa --a Jornada Mundial da Juventude, no Rio, em junho de 2013-- dom Orani diz que a igreja mudou em quase um ano de pontificado de Francisco.

"Ele procurou tornar a igreja mais proativa, que toma a iniciativa. Não é mais aquela que só se defende, respondendo às questões, mas sim a que propõe as questões".

Afirma também que as dívidas deixadas pela Jornada estão equacionadas e promete pagar em breve todos os fornecedores do evento.

"A Jornada mostra que o bem que a igreja faz vai além do interesse econômico. Fazemos o bem, mesmo que tenhamos que pagar por isso."

Leia abaixo trechos da entrevista de d. Orani à Folha.

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Folha - Como o sr. recebeu a notícia de que seria cardeal?

Dom Orani - Tinha celebrado a missa das oito na "TV Brasil" e ia visitar várias paróquias. No celular tenho um aplicativo para seguir o papa. Estava no carro escutando o papa Francisco no aplicativo. Ele começou a falar do consistório [reunião de cardeais com o papa] e percebi que ele ia anunciar os novos cardeais. Ouvi meu nome e me deu um calafrio. "Meu Deus do céu, onde eu fui parar agora?" É uma responsabilidade muito maior.

Mas sua nomeação era tida como certa há algum tempo...

Desde que vim para o Rio [em 2009], pela tradição de se ter um cardeal na Arquidiocese. Mas o papa é livre para nomear quem ele quiser. Ainda mais o papa Francisco.

O que mudou na igreja nesse quase um ano do pontificado de Francisco?

É natural termos agora um papa mais aberto para o mundo. Bento 16 foi um professor, aprofundando questões teológicas. Agora temos um latino-americano, jesuíta até no modo de falar, e que, imagino, esteja colocando em prática muitas coisas que ouviu no consistório. O papa Francisco, sem deixar de olhar a teologia, fala e faz. Fala dos problemas sociais e vai a Lampedusa ver os prófugos; chama o mundo inteiro para jejuar para que não se jogue mais bombas na Síria. Lida com as questões da igreja e começa a atuar para sua reformulação, também com atitudes, como simplificar onde vai morar, o carro que vai usar...

A dedicação de Bento 16 a questões teológicas tornou a igreja distante dos católicos?

Francisco procurou tornar a igreja mais proativa, que toma a iniciativa. Não é mais aquela que se defende respondendo às questões, mas sim a que propõe as questões. Bento 16, como teólogo, já tinha uma coisa mais fechada, de pensar nas questões teológicas, mas o papa Francisco tem um jeito mais pastoral, da igreja que quer levar uma boa notícia para as pessoas. Uma vez que a pessoa percebe o quanto é amada por Deus, começa a mudar a vida. Francisco pegou esse esquema de evangelização; Bento nem falava disso. Em seus escritos, Bento 16 dizia a mesma coisa, mas apresentava isso de outra forma.

A Jornada Mundial da Juventude foi o ponto de partida para essa mudança de ação?

A Jornada foi uma apresentação do papa, de seu programa, para o mundo e para a igreja. O que ele falou aqui para os bispos sobre teologia, para a sociedade sobre questões sociais, foram as linhas principais do que surgiu no documento que escreveu ["Alegria do Evangelho", de novembro de 2013].

Antes de o papa chegar ao Rio, houve problemas, como a mudança do lugar, a discussão sobre sua segurança...

Se você soubesse o trabalho que deu para convencer todo mundo que ele podia vir de carro sem blindagem, que podia andar com o papamóvel... Meu Deus do céu, não foi fácil. Diziam que ele não podia andar de carro aberto porque alguém podia dar um tiro. Mas para ser do jeito que eles queriam, sem ver o povo, nem adiantava vir.

O sr. estava no carro com o papa quando ele foi cercado por populares no centro do Rio?

Estava no carro atrás. Não vi direito o que acontecia e não entendia por que enfiaram a gente no meio daquele povo. Quando o comboio parou, achei que o papa tinha pedido, mas meu celular começou a tocar e as pessoas diziam para eu mandar o papa fechar a janela. Que janela? O que está acontecendo? Ali foi o batismo. Depois, não precisava ter medo de mais nada. Mas o papa deu de dez a zero.

Naquela noite houve uma manifestação na porta do Palácio Guanabara, onde ele era recebido pela presidente. Quais foram as impressões do papa?

Lá dentro não tínhamos dimensão do que acontecia. Queríamos que o papa fosse cumprimentar o pessoal lá fora, mas a segurança não deixou. Quando voltamos ao Sumaré [residência da Arquidiocese do Rio], ele estava muito contente, ria contando como o povo quase entrou pela janela do carro. Ele viu como uma bela manifestação, não como erro da polícia.

O evento deixou uma dívida em torno de R$ 90 milhões...

Quando planejamos tudo direitinho, não ficaria nenhuma dívida.

O que causou a dívida, então?

Primeiro, a mudança de local, da Base Aérea de Santa Cruz para Guaratiba. Na Base não teríamos que fazer terraplenagem, asfaltar. Mas por questões da presidência da República tivemos que mudar. Depois, tínhamos muita gente --no último dia eram 3,5 milhões de pessoas na praia--, mas o número de inscrições foi menor que o de Madri [em 2011]. Lá foram 500 mil inscritos; aqui, pouco mais de 300 mil. Terceiro, tivemos que transferir tudo para Copacabana. A dívida está sendo negociada, mais um pouco e terminamos de pagar os fornecedores. Já pagamos todos os funcionários. Quando chegar o dinheiro do papa [ele doou R$ 11,7 milhões], vamos ver quanto fica faltando.

Como se chegou à decisão de ele contribuir?

Por iniciativa dele. Ainda aqui ele disse que queria contribuir, porque a Jornada era um trabalho para o mundo inteiro. Dissemos que, quando tivéssemos uma visão de como ficariam as coisas, repassaríamos para ele. Quando a CNBB esteve lá, ele cobrou. Mandamos um relatório e ele disse que ia contribuir.

O papa demonstrou ser preocupado com as finanças da igreja. Ele deu algum puxão de orelha por causa desse deficit?

Não.

O sr. é arcebispo de uma cidade que enfrentou um ano com uma série de manifestações. Qual sua avaliação sobre elas?

Ao mesmo tempo em que é positivo as pessoas se manifestarem, há grupos que nem sempre têm objetivo. Um movimento que não tem cabeça e está cheio de ideias corre o risco de infiltrações. Reivindicação tem que ser feita de forma que se respeite o outro.

O sr. fala sobre isso nas missas?

Dependo do tema que a palavra de Deus me coloca, não posso inventar um tema a meu bel-prazer. Mas a palavra de Deus pode ser atualizada. Tem que falar da violência, da desagregação, saúde, transporte, habitação... Mas não basta só ter bem-estar social, é preciso cuidar da parte religiosa. Precisamos partir do amor ao próximo para um mundo diferente e a Jornada mostrou isso. Houve problemas, filas, um frio danado"¦ Mas não houve violência.

O papa tem feito uma "faxina" no Vaticano, também em relação a suspeitas de pedofilia, homossexualismo. O sr. enfrentou algo semelhante?

Em todo lugar aonde chegamos tem sempre muito a se fazer. Quando eu sair, quem vier também terá o que fazer. Nunca se chega à perfeição.

Qual a situação financeira da Cúria, que mesmo tendo vários imóveis não parece estar confortável?

As pessoas misturam as coisas. O patrimônio não é da Arquidiocese. Irmandades, casas religiosas, têm propriedades. Estamos fazendo um levantamento para saber quais são nossos imóveis e como estão sendo cuidados.

Mas a situação é difícil ou boa?

É equilibrada.

A Jornada foi um bom negócio?

Financeiro, não. Isso mostra que o bem que a Igreja faz vai além do interesse econômico. Fazemos o bem, mesmo que tenhamos que pagar por isso.

Que avaliação faz da substituição de dom Odilo Scherer na comissão que supervisiona o Banco do Vaticano?

Não vejo isso como nada contra dom Odilo ou sua capacidade. É como em uma empresa: você pode ser ótimo chefe, mas resolvem trocar para mudar outro aspecto. De vez em quando é bom deixar que outros sintam o peso.

Leia a íntegra da entrevista em

folha.com/no1406282


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