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Clóvis Rossi

A lei dos homens X a lei de Deus

A ONU acaba fazendo um favor ao Vaticano ao exigir que pare de proteger os abusadores

O que a Comissão dos Direitos da Criança da ONU acaba de fazer, com seu relatório sobre abusos sexuais praticados por sacerdotes, é defender que a lei dos homens se sobreponha à lei canônica.

Desde que, nos já remotos anos 70, avolumaram-se as denúncias de abusos sexuais por parte de religiosos, a reação do Vaticano foi sempre a de dar preferência à lei canônica sobre a legislação local, fosse qual fosse o país em que ocorreram abusos.

Com isso, a providência tomada pelas autoridades eclesiásticas, quando tomavam alguma, era a de remover o suspeito para outra paróquia, às vezes para outro país.

É uma punição ridiculamente insuficiente ante a gravidade dos crimes praticados, com a agravante de que mantinha o suspeito em contato direto com crianças, facilitando a prática de novos abusos.

Foi só em 2010, ou seja, 40 anos depois das primeiras denúncias, que o Vaticano determinou aos bispos que informassem a polícia de casos suspeitos, assim mesmo se obrigados a isso pela lei local.

O comportamento do Vaticano, sob sucessivos papas, foi sempre o de proteger primeiro os religiosos, a parte forte dessa triste história, em vez de amparar as crianças, sempre o elo fraco nesse tipo de crime, cometido por religiosos ou leigos.

Desnecessário dizer que é inadmissível. A ascendência que os adultos em geral têm sobre as crianças torna-se avassaladora quando o adulto é um, digamos, "homem de Deus". Caberia à hierarquia, antes de mais nada, quebrar esse poder, retirando dos religiosos culpados esse rótulo beatificador e liberando as crianças para reagir, na certeza de que não estariam ofendendo Deus ao fazê-lo.

Aconteceu o contrário, do que dá testemunho um caso entre tantos, o de um íntimo do papa João Paulo 2º, o mexicano Marcial Maciel, fundador da Legião de Cristo e que praticou abusos contra meninos e jovens durante um período de 30 anos. Só foi punido em 2006, o que demonstra como o papa polonês foi omisso.

Parece evidente que o objetivo do Vaticano foi sempre o de proteger a reputação da igreja, ainda mais pelas dificuldades que tem em lidar com a sexualidade humana.

Se as primeiras denúncias surgem nos anos 70, foi preciso esperar 2013 e Francisco, o papa do fim do mundo, para que se criasse uma comissão para estudar os casos de abuso.

Criou-se um monstro de que dá prova a reação de leigos chilenos à recente ascensão ao cardinalato de Ricardo Ezatti, arcebispo de Santiago, respeitado por sua pregação social numa ponta, mas acusado de omisso ante as denúncias de abusos por parte de religiosos chilenos.

A falta de transparência da igreja em lidar com o assunto acabou provocando efeito contrário ao pretendido: em vez de defender a reputação da instituição, a omissão deu margem a que se suspeite que, por trás de toda batina, há um pedófilo empedernido, um preconceito daninho como todo preconceito.

A ONU acaba fazendo um favor ao Vaticano ao pedir que afaste todos os suspeitos. Não anula pecados passados, mas ajuda a evitar que se eternizem.

crossi@uol.com.br


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