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Clóvis Rossi
Afeganistão vota pela paz
Pesquisa mostra que desejo de participar é menos para escolher candidatos e mais pela pacificação do país
A Chatham House, centro londrino de estudos, patrocinou uma pesquisa sobre a eleição no Afeganistão, realizada ontem, e descobriu, primeiro, grande interesse nos centros urbanos por participar do processo eleitoral. Mas "a participação é menos um abraço às práticas democráticas ou às plataformas políticas dos diferentes candidatos e mais o desejo de uma transferência pacífica de poder e de um futuro seguro, em vez de violento".
Ou, resumindo, uma importante parcela dos 20,8 milhões de eleitores registrados vota pela paz, o que é fácil de explicar: o Afeganistão está em guerra há pelo menos 35 anos, uma das principais razões pelas quais é o país mais pobre da Ásia.
Posto de outra forma, é menos importante quem será eleito para substituir Hamid Karzai, que cumpre o segundo dos dois mandatos consecutivos permitidos pela Constituição, e mais o estabelecimento de um governo que funcione e também prove que a democracia pode ser implantada. Mesmo em um país dividido por etnias, pressionado pelo radicalismo do Taleban, com um índice espantoso de corrupção e pelas inevitáveis sequelas de um período tão longo de conflitos.
Para que a aspiração do eleitorado afegão se concretize é preciso, em primeiro lugar, que não haja, neste ano, uma fraude tão maciça quanto a da eleição anterior, em 2009. Os primeiros resultados indicaram, então, que o presidente Karzai obtivera 54,6% dos votos, acima portanto da maioria absoluta exigida para liquidar o pleito no primeiro turno.
Denúncias dos derrotados levaram a uma recontagem, que anulou mais de 1 milhão de votos e obrigou a convocar um segundo turno, afinal não realizado, porque o segundo colocado, Abdullah Abdullah (candidato de novo neste ano), desistiu, alegando que não havia garantias de lisura.
Em segundo lugar, é essencial que a participação seja suficientemente maciça para dar uma demonstração ao Taleban de que ele é incapaz de perturbar seriamente o processo eleitoral. Que vai perturbar, já se sabia que iria, mesmo antes da abertura das urnas: 10% das seções eleitorais não puderam ser instaladas em consequência das ameaças feitas pelo grupo.
Em terceiro lugar, os eleitores, diz a Chatham House, pretendem "convencer as elites de que eleições são o único meio de transferir o poder de um presidente para o próximo".
Ou seja, não há mais lugar para os senhores da guerra que ajudaram a ensanguentar o país, por mais que ao menos dois deles figurem como candidatos à Vice-Presidência.
É óbvio que o simples ato de votar não trará resultados instantaneamente. "Para o destino do Afeganistão, o que acontecerá no ano ou nos dois anos seguintes à disputa será mais importante do que o voto em si", escreve Sarah Chayes, do programa Ásia do Sul do Instituto Carnegie para a Paz Mundial.
Continua: "Especialmente significativo é se um processo de construção de consensos (...) pode amenizar as feridas de 12 anos de disfuncionalidade" (em referência aos anos Karzai).
Não é pouco, pois, o que o Afeganistão joga nas urnas.