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Depoimento - Portugal

Revolução foi como um 'porre democrático'

Há 40 anos, testemunhei em Portugal a transformação vivida por um país que era triste, vestido sempre de negro

No ano de 1974, somente 5% dos adolescentes de Portugal faziam o segundo grau, enquanto atualmente esse número é de 78%

CLÓVIS ROSSI COLUNISTA DA FOLHA

Cobrir a Revolução dos Cravos, faz 40 anos, foi a mais abrangente e agradável lição de como a democracia é, de fato, o pior dos regimes, exceto todos os demais.

Portugal de 1974 era um país triste, vestido quase sempre de negro, provinciano, atrasado.

A revolução proporcionou o maior porre democrático que jamais vivi --e olhe que vivi um punhado deles, na Argentina, no Uruguai, no Chile, até mesmo no Brasil, com o atraso a que o país costuma chegar aos encontros com a história.

Foi uma revolução acima de tudo alegre, uma festa quase diária, nada que ver com a circunspecção geralmente associada aos grandes momentos históricos.

Conto apenas um episódio da grande festa: quando o coronel Vasco Gonçalves, depois promovido a general, se tornou primeiro-ministro, ainda em 1974, era tido como um louco.

Os anarquistas, que se dedicavam à ironia, em vez de quebrar tudo o que encontravam pela frente, picharam então nos muros do hospício de Lisboa a frase "Vasco, volte para casa".

A limpeza pública logo limpou o muro, mas os anarquistas insistiram: "Vasco, ao menos venha para consultas".

De novo, caiaram o muro, mas isso não impediu uma terceira ofensiva: "Vasco, pelo amor de Deus, tome os remédios".

Não sei de outra revolução em que chefes militares fossem tratados com essa "non-chalance".

A melhor maneira de obter informações sobre quais eram os desdobramentos da revolução era frequentar as boates lisboetas.

Se houvesse uma chaimite (como eles chamam os carros de combate) parada à porta, é porque lá estava um capitão, um coronel ou outro oficial graduado pronto para conversar livremente sobre os rumos da pátria.

Rumos que foram positivos a mais não poder. O Portugal triste e cinzento da ditadura deu lugar, com o tempo, a um país vibrante, quase rico, moderno, colorido, gostoso, por mais que os portugueses sempre se queixassem de tudo e de todos.

É claro que o "boom" português não foi filho direto da democracia.

Mas a democracia era condição sine qua non para que Portugal acedesse à Comunidade Europeia, ingresso que, este sim, impulsionou o país de forma notável.

Exemplo definitivo: em 1974, apenas 5% dos adolescentes faziam o segundo grau. Hoje, são 78%.

Pena que o quadragésimo aniversário da revolução mostre cravos murchos pela dura política de austeridade implementada nos últimos cinco anos e que fez o país retroceder em muitos aspectos.

Já não dá para torcer que o Brasil se transforme em "um imenso Portugal", como pedia Chico Buarque no seu "Fado Tropical".


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