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Julia Sweig

Gastança brasileira nos EUA

Deveríamos festejar o poder de compra dos turistas, mas sabemos os riscos da riqueza concentrada no topo

A edição da "New York Times Magazine" do último fim de semana publicou reportagem fotográfica de três páginas intitulada "Aonde os brasileiros vão para gastar a rodo" (nyti.ms/1iSFSdQ), mostrando quantos milhares de dólares (convertidos de reais) brasileiros vêm gastando em bacanais de compras em Miami.

Os valores são espantosos (como seriam se a "Veja" divulgasse valores semelhantes gastos por americanos em São Paulo): de US$ 15 mil a US$ 20 mil em 18 dias, no caso de uma mulher; um casal jovem desembolsou US$ 8.000; uma família, US$ 10 mil.

Em 2012, turistas brasileiros gastaram R$ 5,3 bilhões nos EUA. Uma parcela importante disso foi para o turismo de classe média, nos parques temáticos e "outlets" da Flórida. É claro que os preços menores, comparados aos brasileiros, são parte da atração.

Mas, deixando de lado o turismo de classe média, há algo que destoa fortemente no consumo conspícuo --quer seja do 1% mais rico dos americanos ou dos brasileiros-- enquanto ambos os países estão no meio de um debate nacional sobre escassez, desigualdade e estagnação econômica.

Não se trata de simplesmente mais um discurso populista irado. Tenho bons amigos no Brasil que viajam regularmente para sua meca amada de Manhattan. Só não o fazem com a aparente desinibição e indiferença das pessoas descritas pelo "New York Times".

Imagino que deveríamos festejar esse tipo de poder de compra --e esse amor pela Grande Maçã--, vendo-os como sinal de que o Brasil chegou ao palco mundial. Ou, ao menos, reconhecer que as distorções na economia do próprio Brasil impõem parte desse comportamento.

Mas o poder de comprar, de esgotar os limites de seus cartões de crédito, de incorrer em dívida familiar excessiva, bem: já vimos nos EUA como a concentração de riqueza no topo, uma classe média que mal consegue sobreviver e infraestrutura e serviços públicos em declínio podem enfraquecer a liderança internacional.

Depender do consumo doméstico para movimentar o crescimento, no caso da nova classe média brasileira, ou depender de viagens seriais ao exterior para fazer compras, no caso dos mais ricos, complica os já onerosos desafios a uma potência de influência ainda incipiente.

O contexto também tem importância. O aumento de 10% no Bolsa Família elevou o pagamento mensal mínimo para R$ 77 (US$ 34) por família. O valor médio recebido pelas famílias beneficiadas pelo programa passou para R$ 167 (US$ 75) --o preço de uma boa carne e um ingresso barato de teatro em Nova York, respectivamente. O custo do programa é de apenas R$ 24 bilhões, mero 0,528% do PIB de 2013.

Nem o Bolsa Família nem os gastos dos turistas representam um dreno grande nas contas do Brasil. Mas o esforço para chamar a atenção do mundo para suas vitórias --emprego pleno, avanços no índice de alfabetismo e o exemplo de participação democrática encarnado pelo Marco Civil da Internet-- está ficando à sombra do estudo dos contrastes de riqueza e pobreza.


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