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Crítica
Com clima de cinema, livro traz detalhes da espionagem dos EUA
Em obra, jornalista revela novas informações sobre as atividades da NSA
A Sony Pictures comprou de Glenn Greenwald os direitos de "Sem Lugar para se Esconder: Edward Snowden, a NSA e a Espionagem do Governo Americano". A produção será dos mesmos executivos da franquia James Bond.
O livro, lançado nesta semana em inglês e também português, tem evidente potencial hollywoodiano. Em alguns trechos, parece ter sido escrito para isso. Faz até menção à "atmosfera digna de um filme de espionagem".
Começa com um relato detalhado dos contatos de Greenwald e da documentarista Laura Poitras com Snowden, técnico que queria divulgar documentos que havia coletado na Agência Nacional de Segurança dos EUA.
O relato ocupa um terço do livro e destaca os esforços dos três para não serem flagrados: da necessidade de criptografia para os primeiros contatos até o uso de um cubo mágico para identificação no primeiro encontro.
Tem nuanças de comédia: meses antes de encontrar Snowden, Greenwald fora abordado por ele on-line, sob pseudônimo, pedindo que baixasse um programa criptográfico. O jornalista achou complicado e só não perdeu a notícia graças a Poitras.
Não falta suspense neste princípio, em grande parte passado em Hong Kong. Menos envolvente é o segundo terço do livro, que descreve os programas da NSA já revelados pelas reportagens no "Guardian" e em outros.
Não há novidade, mas detalhamento. Por exemplo, Thomas Shannon, secretário de Estado assistente em 2009, depois embaixador no Brasil, agradece à NSA por relatórios de "inteligência de sinais" sobre "os outros participantes" da 5ª Cúpula das Américas.
Outros documentos trazem detalhes quanto ao "alvo" Petrobras, anotando que a empresa usa "rede privada", e à espionagem feita em parceria com o Canadá contra o Ministério das Minas e Energia.
A interceptação de comunicações das estatais de energia de Brasil e México, entre outros, "revelou o que só pode ser qualificado de espionagem econômica", escreve Greenwald. "Nada tem a ver com combate ao terrorismo."
MÍDIA
O restante de "Sem Lugar para se Esconder" é voltado à "mídia". E aí, curiosamente, traz episódios que remetem à posterior demissão da editora-executiva Jill Abramson pelo "New York Times".
O alvo de Greenwald é o "NYT". Critica, entre outras, a primeira reação do jornal ao escândalo, publicando que Greenwald poderia entrar "na mira de promotores", e um perfil que o chamou de "blogueiro" --e não jornalista, com salvaguardas legais.
Abramson não é criticada. Pelo contrário, é citado e-mail seu para a editora do "Guardian" Janine Gibson, concordando com Greenwald que determinado texto do "NYT" contra Snowden "jamais deveria ter sido publicado".
Já Dean Baquet, vice-editor nomeado para o lugar de Abramson, é questionado por ter aceito solicitação da NSA em 2006, quando dirigia o "Los Angeles Times", e derrubado reportagem sobre o elo da agência com empresa de telefonia americana AT&T.
De quebra, Greenwald ataca o próprio "Guardian" por, entre outras coisas, ter entregue os documentos da NSA ao "NYT" sem falar antes com o jornalista e o próprio Snowden, que ficou "furioso".
Esse terço final é o mais fraco. Greenwald não diz que deixou o "Guardian" para trabalhar para Pierre Omidyar, bilionário do eBay/PayPal, que participou do estrangulamento financeiro do WikiLeaks a pedido do governo americano.
Desde então, as revelações secaram. É o problema de "Sem Lugar para se Esconder": tem pouca novidade.
Daí Greenwald dizer, nas entrevistas de divulgação, que está escrevendo a reportagem que terá "o maior impacto".