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Mineiro solidário

Um dos 33 sobreviventes da mina San José, no Chile, diz que explosão na Turquia pode resultar em mais segurança para a atividade no futuro

JULIANO MACHADO EDITOR-ADJUNTO DE "MUNDO"

Os chilenos viveram, há quatro anos, uma situação parecida com a da Turquia de hoje: todos voltaram os olhos para as condições de trabalho dos mineiros.

No Chile, o emocionante resgate dos 33 presos a 700 metros de profundidade, em outubro de 2010, terminou sem vítimas, mas levou as autoridades a aumentar a fiscalização no setor, e o número de mortos por acidentes em minas caiu. Um dos 33 sobreviventes chilenos espera, agora, que a tragédia turca tenha o mesmo efeito.

"Nossa história trouxe muita publicidade, e o Chile passou a ver o setor mineiro com mais atenção. Acho que o governo da Turquia terá de agir da mesma forma", diz à Folha Raúl Bustos, 44. Ele foi o 30º a ser retirado das profundezas da mina San José.

Em 2010, ano do acidente, 45 mineiros morreram trabalhando no Chile. No ano passado, o número caiu para 25. A tendência na Turquia é contrária: de 2000 até hoje, houve 1.308 vítimas na mineração, a maioria em jazidas de carvão. No Chile, no mesmo período, foram 474.

Uma ressalva a fazer é que o trabalho numa mina de carvão --como a que levou à morte dos 284 operários turcos em Soma-- é mais perigoso que em uma jazida de cobre e ouro, como era o caso dos chilenos. A chance de um acidente provocar mais vítimas, portanto, é maior.

"Na mina de carvão, há muito mais material inflamável, e as explosões liberam gases mais tóxicos. É um ambiente bem mais nocivo que aquele onde passamos 69 dias", afirma Bustos.

Segundo ele, talvez o grupo dos 33 não tivesse resistido por tanto tempo se estivesse nas mesmas condições dos 18 mineiros turcos que ainda permaneciam presos sob a superfície, até a conclusão desta edição.

Mesmo sendo improvável que algum desses 18 saia vivo, Bustos prefere passar aos colegas da Turquia uma mensagem de esperança. "Sei que é complicado, mas nunca se pode desistir."

EXEMPLO

A história dele é o maior exemplo: seis meses antes do acidente na mina San José, um terremoto seguido de tsunami arrasou a litorânea Talcahuano, a cidade onde Bustos morava, no sul do Chile.

Ele sobreviveu, mas perdeu o emprego de mecânico hidráulico em um estaleiro da Marinha, que foi praticamente destruído.

O jeito foi procurar trabalho nas minas do norte chileno, a mais de 1.500 quilômetros. Bustos tornou-se funcionário de uma empresa que prestava serviços para a mina San José.

Ele não descia todos os dias, mas naquele 5 de agosto de 2010 decidiu acompanhar seu chefe para consertar alguns equipamentos dentro da mina.

Bustos só sairia de lá dentro de uma cápsula, com transmissão ao vivo para dezenas de países, mais de dois meses depois. Foi um dos últimos porque tinha boa condição física e psicológica. Ao ter passado ileso por dois episódios marcantes da história do Chile, ganhou da imprensa local o apelido de "o mineiro imortal".

Quando foi resgatado, Bustos fez questão de agradecer ao então presidente chileno, Sebastián Piñera, pelo seu empenho na operação.

Por isso, ele diz ter ficado decepcionado com as declarações do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, após o acidente em Soma --Erdogan afirmou que casos como esse eram "comuns" na história do país.

"Acho que o premiê não estava muito a par da dimensão do que tinha acontecido. Foi uma frase muito infeliz, de quem provavelmente não conhece a realidade de quem trabalha na mineração", afirmou Bustos.

PÓS-MINA

Assim como seus colegas, Bustos aproveitou a súbita fama internacional e aceitou convites de vários governos para viajar. Foi à Disney com a mulher e os dois filhos, conheceu Hollywood, passeou pela Grécia.

Passada a farra, ele voltou à sua Talcahuano, ainda em reconstrução, e retomou os serviços hidráulicos, mas não mais para a mineração.

Em seguida, foi convidado a dar palestras motivacionais e nunca mais parou. "Conto minha história para estudantes, empresários, autoridades. Não vivo só disso, mas é uma boa fonte de renda."

Bustos foi um dos poucos dentre os 33 que conseguiram superar o acidente sem grandes problemas. A maioria voltou às minas, mas teve problemas de readaptação. Em 2011, o governo chileno concedeu aposentadoria por invalidez a 14 deles.

No ano passado, o grupo rachou por causa de uma disputa sobre direitos de imagem para um filme sobre o resgate, "Os 33", com Antonio Banderas e Martin Sheen no elenco.

Parte dos mineiros se disse forçada a assinar contratos em inglês, sem negociação --outros afirmam que assinaram os papéis em espanhol, sabendo dos termos. Ainda não há previsão de estreia do filme.


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