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Alexandre Vidal Porto

Ninguém quem?

Mentalidade escravocrata habituou os brasileiros a receber tudo nas mãos, de criados ou de políticos

Brasileiro detesta crítica. Mas adora criticar. Desde que voltei ao Brasil, percebo que todos reclamam. Uns da violência, outros da corrupção, outros ainda da vida. A insatisfação está no ar. De repente, parece que reclamar substituiu o futebol como esporte nacional.

As queixas --sobre aspectos grotescos de desmandos de autoridades ou desequilíbrios sociais-- às vezes vêm seguidas da seguinte exclamação indignada: "E ninguém faz nada!".

Enquanto meus interlocutores me olham com cara de raiva e conformismo, eu, em silêncio, me pergunto: ninguém quem?

Deduzo que "ninguém" sejam as autoridades constituídas, mas as referências são tão genéricas que perdem objetividade.

O "ninguém" a que se referem --o que não faz nada contra os desmandos e desequilíbrios do país--, parece uma entidade abstrata, que, em algum momento, teria assumido a obrigação de cuidar do nosso país com zelo e esmero, como se fosse seu.

Sabe a diarista que deixa a casa limpa, passa a roupa e tira o lixo, mas que a gente nunca encontra? É mais ou menos isso. Não importa como as coisas são feitas. A ideia é não ter trabalho, afinal é para isso que se paga o salário da diarista.

A mentalidade escravocrata habituou gerações de brasileiros a receber tudo nas mãos, de criados ou de políticos.

Uns nunca precisaram ir à cozinha pegar um copo d'água, outros aprenderam a nunca desobedecer. Nos dois casos, vê-se passividade. Mas passividade não desenvolve um país.

Não é só eleger e deixar solto. Tem de exigir o serviço e ficar em cima, porque, no nosso Brasil, é muito mais fácil encontrar uma diarista competente que políticos com espírito público, comprometidos com o interesse da nação.

Portanto, reclame, insista, encha o saco, escreva para o gabinete do deputado, queixe-se ao serviço de atendimento ao consumidor, poste no Facebook e no Instagram. Bote a boca no trombone. Vire um chato. Manifeste-se.

Isso dá trabalho, mas os filhos dos chatos viverão em um país melhor.

-

Ney Matogrosso se manifestou. Artistas são antenas da sociedade, são pagos para se expressar. É o trabalho dele. "Adoraria dizer que tudo está maravilhoso, que o povo está feliz, bem tratado, bonito e viçoso, mas não é assim."

Em suma, foi o que declarou em recente entrevista à televisão portuguesa. O tom crítico de suas declarações em relação ao Brasil causou indignação nas mídias sociais.

Foi chamado de reacionário, esclerosado e burguês.

Concorde-se ou não com seus pontos de vista, Ney Matogrosso é um dos artistas mais revolucionários da música brasileira.

Enfrentou o autoritarismo da ditadura militar com o corpo e com a voz. Ajudou a avançar o direito das minorias. Denegri-lo para desqualificar seu discurso é mal-intencionado. Ney Matogrosso é um grande brasileiro. Sua voz deve ser ouvida.


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