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Marcos Troyjo

Iraque: choque e espanto

Para governos estabelecidos no Oriente Médio, a descida do Iraque rumo ao inferno chamuscará a todos

Há 11 anos, Kadom Al-Jabouri ficou famoso como o homem que, com uma marreta na mão, começou a derrubar a estátua de Saddam Hussein na praça Firdos, em Bagdá.

A imagem supostamente legitimava a ação dos EUA e aliados na queda da ditadura que controlava o país desde 1979. Era expressão da alegria com que oprimidos iraquianos "respiravam o ar da liberdade".

Mecânico de automóveis, Jabouri passara uma década na prisão de Abu Ghraib durante o regime de Saddam. Cometera o crime de contar a vizinhos que Uday, filho do tirano, não lhe pagara pelo conserto de uma motocicleta.

Ano passado, falando ao "Guardian", lamentou ter se tornado símbolo da queda do ditador. Afirmou: "Com Saddam, tínhamos um ditador. Hoje, temos centenas. Nada mudou. Tudo piora o tempo todo. Não há futuro".

Desde a intervenção de 2003, o Iraque não firmou um modelo de governo que, por um lado, desse conta dos anseios do Ocidente e, por outro, dos vários grupos étnicos, religiosos e políticos que compõem o país.

Nessa ausência de um Estado inclusivo, que durante o governo do atual premê Nuri al-Maliki deixou a comunidade sunita ainda mais escanteada, os conflitos se multiplicaram. O Iraque ruma célere para uma guerra civil aberta.

Para governos centrais estabelecidos no Oriente Médio, a descida do Iraque ao inferno chamuscará a todos. Um Iraque estilhaçado é indesejável a praticamente todos os atores da região e, sobretudo, às potências ocidentais.

É abominável o quadro em que eventual guerra civil no Iraque resulte num califado extremista. Este é o desejo dos sunitas ultrarradicais do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EIIL), que hoje abocanham fatias estratégicas cada vez maiores do território iraquiano.

Acuado pelo avanço do EIIL, o governo de Maliki solicita assistência militar dos EUA. Isso pode barrar o avanço dos radicais, mas pouco contribui para uma ordem política pluralista no Iraque.

A saída ideal para a atual crise iraquiana recolocaria a ONU no centro do palco. No plano militar, uma força multilateral, sob capacetes azuis, arregimentada pelas grandes potências e em cooperação com os principais atores da região, entre eles o próprio Irã. A ela se seguiria, no campo político, renovada presença de profissionais da ONU treinados em missões de manutenção de paz e construção institucional.

Tal hipótese, no entanto, é altamente improvável. O Conselho de Segurança, dadas as atuais divergências entre EUA e Rússia, encontra-se inoperante.

E a experiência recente da ONU no país é traumática. Há quase 11 anos, o terror ceifava a vida do grande brasileiro Sérgio Vieira de Mello, à época representante do secretário-geral da ONU, e de mais 21 funcionários da organização.

Em 2003, o conceito de "choque e espanto" foi adotado nos ataques intensos a instalações militares e industriais iraquianas. Rápida vitória no campo de batalha precipitaria ampla mudança política.

Hoje, a expressão é útil para descrever o sentimento de que, no Iraque, o pior ainda está por vir.

mt2792@columbia.edu


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