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Análise Oriente Médio

Região espelha disputa de iranianos e sauditas

Teerã e Riad competem por influência incentivando, respectivamente, xiitas e sunitas em vários países vizinhos

Mas quem se beneficia com a crise no Iraque? sauditas ganham ao enfraquecer o governo, mas o maior ganho é dos iranianos

IGOR GIELOW DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A deterioração na situação de segurança do Iraque está inserida no contexto da disputa entre Irã e Arábia Saudita pelo posto de potência regional dominante no Oriente Médio.

Desde a Revolução Islâmica de 1979, o país persa de maioria xiita vem estendendo sua influência, estabelecendo-se como principal antípoda do adversário comum na região predominante árabe, Israel.

Para tanto, tem a seu dispor a guerrilha xiita do Hizbullah no Líbano e os palestinos sunitas do Hamas na faixa de Gaza, embora a recente união dos últimos com seus rivais do Fatah na Cisjordânia turve um pouco as linhas do jogo.

O regime alauita de Bashar al-Assad na Síria é outro tributário de Teerã, e a guerra civil que devasta o país desde 2011 expõe os lados, com os sauditas e outros Estados do Golfo fomentando a insurreição contra Damasco.

Na via contrária, os iranianos insuflaram movimentos de populações xiitas em países dominados por sunitas, como o Bahrein, e também revoltas colocadas sob o véu espesso e generalizante da chamada Primavera Árabe.

Como se vê, as alianças de Teerã são prioritárias, mas não exclusivas, com aderentes do xiismo, ramo minoritário do islamismo que acredita numa linha de sucessão do profeta Maomé diferente daquela adotada pelos sunitas, maioria no mundo muçulmano.

Já os sauditas, aliados do Ocidente desde a formação de seu reino nos anos 1930 e situados sobre o segundo maior barril de petróleo do planeta, usam do poderio econômico e cultural --são o Estado árabe no qual estão as duas cidades mais sagradas do islamismo.

Agora é a vez do Iraque. O relativo apaziguamento da situação do país na esteira da desastrosa invasão americana de 2003, a partir de 2007, se deu não só pelo aumento no número de tropas, mas por um acordo tácito entre Washington e Teerã.

A manutenção no poder do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki é decorrência desse acerto, que permitiu a retirada das tropas americanas do Iraque e o consequente, e raro, bônus político para o presidente Barack Obama.

Com o surgimento da insurgência do EIIL (Estado Islâmico no Iraque e no Levante), um bastardo da rede terrorista Al Qaeda, o campo de batalha entre Teerã e Riad se transfere para o volátil país árabe de maioria xiita.

Sunita, o EIIL joga a favor do campo saudita, e abundam acusações de financiamento de seus combatentes por Riad. A guerra midiática pende ao terror, com imagens borradas de massacres sem comprovação e relatos de ataques a instalações em Bagdá que ainda não ocorreram.

A Al Arabiya e Al Jazeera, emissoras do Golfo que jogam no campo saudita, são as principais distribuidoras dessa matéria-prima, oriunda dos militantes. As redes ocidentais, como CNN e BBC, amplificam esse conteúdo.

Assim, é preciso ler com cautela os apavorados relatos de abandono de instalações diplomáticas ou o risco iminente da queda de Bagdá.

A Folha ouviu diplomatas ocidentais e analistas iraquianos nos últimos dias. Segundo a visão deles, ainda que a situação esteja longe de estar tranquila, há mais boatos e vazamentos calculados de vídeos sinistros do que uma ameaça de invasão do núcleo do poder.

Se for verdade, o cenário lembra o que ocorreu no Paquistão em 2009, quando Islamabad parecia à beira de uma invasão taleban --que não aconteceu e acabou servindo para colocar a faca no pescoço americano por mais verbas para a "guerra ao terror" tocada pelo Exército.

CONSEQUÊNCIAS

Mas quem se beneficia com a crise atual no Iraque? Se por um lado os sauditas ganham ao enfraquecer o governo de Maliki, o esticamento da corda está levando a um maior ganho para os iranianos.

O primeiro sinal foi o raríssimo aceno público dos EUA de que toparia conversar com Teerã sobre a crise.

Há riscos para todos os lados. Além de poder ver o Irã fortalecido, a manutenção do apoio saudita a jihadistas que não têm causas nacionais é perigoso pelo pouco grau de controle possível sobre eles. Eles são mais imprevisíveis do que um Hamas, por exemplo, que tem objetivos claros em sua luta conta Israel.

Ao fim, tudo pode desabar nesse quebra-cabeças montado pelas potências ocidentais nos anos 1920, e o mundo poderá assistir ao surgimento de novos Estados, como o Curdistão, que traria instabilidade à Turquia, e áreas sem lei à imagem das zonas tribais paquistanesas.

Ainda pior, pode ver a suspeita saudita sobre o programa nuclear iraniano fomentar uma escalada. Não é casual que volta e meia surjam boatos de um acordo no qual Islamabad cederia algumas bombas atômicas a Riad.


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