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Marcos Troyjo
Futebol-globalização: 10 a 1
Interesse pelo futebol com a Copa já é quase planetário; só falta entrar nos gigantes mercados da China e Índia
A dupla de ataque futebol-globalização é artilheira. A influência planetária do esporte é imensa, como mostram, para o bem e para o mal, estes dez tentos:
1) Um motorista paquistanês em Nova York, ao saber que o passageiro é brasileiro, comenta-lhe que a melhor seleção canarinho foi a da geração de Sócrates em 1982. O fato de o Brasil não ter ganhado aquela Copa, lamenta, teria decretado o fim do "futebol-arte" e inaugurado a "doutrina do jogo por resultado".
2) As vitórias mais barulhentamente comemoradas em território francês na atual Copa não foram as dos "bleus" (como é chamado o time francês), mas as da seleção argelina. A polícia francesa respira aliviada com a desclassificação da Argélia. Supunha que, caso França e a ex-colônia travassem confronto direto, seria grande o risco de repetição dos violentos distúrbios de outubro-novembro de 2005, período em que o presidente Chirac viu-se forçado a declarar estado de emergência nacional.
3) A imagem mais tuitada na Alemanha neste ano é a da chanceler Merkel no vestiário após a estreia da seleção de seu país em Salvador.
4) A cidade de Doha é recortada e reinventada urbanisticamente. Quando se pergunta a um residente da capital do emirado o porquê, ouve-se "ora, o Catar será sede da Copa do Mundo de 2022 e estamos nos preparando". Suspeitas de corrupção e as altas temperaturas do verão do deserto podem, no entanto, fazer com que não se realize a primeira Copa no Oriente Médio.
5) Escritórios nos elegantes bairros de Ginza e Omotesando, em Tóquio, flexibilizaram seus rigorosos horários de trabalho para que os executivos assistam às partidas.
6) Nos EUA, a Copa superou a Olimpíada de Londres e se tornou o evento de maior transmissão ao vivo via internet ("live steaming") de todos os tempos.
7) O presidente Obama deixou de lado os afazeres do Salão Oval e juntou 300 pessoas num auditório da Casa Branca para ver ao vivo o "US Team" ser derrotado pela Bélgica na prorrogação. Devotou, portanto, duas horas e meia do expediente a esse fim numa terça-feira às 16h de Washington.
8) A reunião de cúpula dos Brics foi reagendada de abril para julho deste ano justamente para que Putin, Xi Jinping, Modi e Zuma pudessem curtir a final da Copa no camarote VIP do Maracanã.
9) Messi e Neymar são cada vez mais nomes de batismo na América Latina e na África.
10) Do Turcomenistão ao Suriname, sabe-se como dói a mordida de Suárez.
O futebol enfrenta, contudo, importante retranca para se tornar verdadeiramente a expressão esportiva da globalização. Sua presença no cotidiano dos dois mais populosos países, China e Índia, embora crescente, ainda é marginal. São potenciais 2,5 bilhões de torcedores, 35% da população mundial.
Nesses mercados, como aliás no mundo todo, nossos jogadores são mais conhecidos --e queridos-- do que nossas empresas. No jogo da globalização, multiplicar o interesse pelo futebol nos gigantes populacionais poderia ser o grande lance do "soft power" brasileiro.