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O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Inimigo número 1

Caçada a John Dillinger, lendário gângster dos anos 30 nos EUA, terminava na porta de um cinema, há 80 anos

ANÉLIO BARRETO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Segunda-feira, 22 de julho de 1934, Chicago, EUA, 22h35: três pessoas, um homem e duas mulheres, deixam o Biograph Theatre, na avenida Lincoln, depois do filme "Manhattan Melodrama", com Clark Gable, William Powell e Myrna Loy. Os três se afastam, e uma das mulheres, com vestido laranja --mas que sob o neon do cinema parecia vermelho--, fica alguns centímetros atrás, ergue um braço e mostra um lenço.

Instantes depois, o homem morreria com um tiro na cabeça e um no peito. A mulher, que passou para a história criminal norte-americana como "The Lady in Red" (A Dama de Vermelho), desaparece.

Estava morto John Dillinger, o primeiro Inimigo Público Número 1 da América, classificação do FBI.

Em pouco mais de um ano, assaltou vários bancos, fugiu da prisão duas vezes, escapou de armadilhas e matou ao menos um policial (oficialmente, mas seus fãs não admitem; sim, ele tinha, e tem até hoje, 80 anos depois, grandes fãs). Era o gângster mais conhecido do país.

A namorada de Dillinger era uma garçonete ruiva, Polly Hamilton, e a senhoria dela era Anna Sage, que se tornou amiga dele. Dillinger vivia em East Chicago, no Estado do Indiana, e tinha uma vida aparentemente normal.

Costumava jantar no Seminary Restaurant, na esquina das avenidas Lincoln e Fullerton. Frequentava jogos e, segundo contam, tinha a audácia de, por exemplo, cumprimentar seu advogado enquanto ele conversava com um policial.

Naquele dia, o calor era tão forte em Chicago que 14 pessoas morreram por causa dele. Mas o Biograph Theatre oferecia ar condicionado e estava exibindo um filme com Myrna Loy, paixão de Dillinger. Isso --mais o ar condicionado-- o levou a convidar Polly e Anna Sage para a sessão noturna.

Anna Sage era uma imigrante da Romênia que entrara nos EUA com o nome de Ana Cumpanas. Tinha casas de prostituição e estava na mira para ser deportada. Ela sabia disso e, quando Dillinger lhe disse quem era, achou que tinha uma moeda de troca para permanecer nos EUA.

Entrou em contato com o FBI, fez sua proposta e, quando o dia chegou, avisou que iria ao cinema com ele.

FAMA

Em uma época que conheceu gângsteres como Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd e Bonnie & Clyde, Dillinger se tornou o mais conhecido, e também simpático, deles. Explica-se: os EUA viviam a Grande Depressão dos anos 30, com enorme taxa de desemprego, fechamento de bancos, falências e corrupção --as pessoas odiavam as instituições financeiras, e Dillinger vivia de roubá-las.

John Herbert Dillinger nasceu em 1903, em uma comunidade de classe média a leste de Indianápolis. Seu pai, John Dillinger Senior, era um bom e honesto merceeiro, e sua mãe, Mollie, morreu quando ele tinha três anos.

Era um garoto normal, frequentou escolas públicas, brincou com crianças da vizinhança e costumava nadar com elas. Dizem que, possivelmente, a pior coisa que fez quando criança foi roubar carvão para vender. Foi um astro no beisebol, passou pela Marinha e casou-se aos 21.

Então conheceu Ed Singleton, um escroque que já havia passado pela prisão. Singleton ajudou John a planejar seu primeiro roubo.

A vítima foi Frank Morgan, um merceeiro como seu pai, que estava levando dinheiro ao banco. John bateu nele com uma barra de ferro envolvida em pano, e apontou-lhe uma arma. Mas estava bêbado, não conseguiu ir além disso e fugiu, deixando o revólver com Singleton, que foi adiante.

O xerife o apanhou dois dias depois. O pai o aconselhou a confessar, e foi o que ele fez. O promotor lhe disse que não precisava de advogado, uma vez que admitiu o crime, e que o juiz o deixaria ir.

PRISÃO

Não foi o que aconteceu. O juiz, o mais rigoroso do condado, quis fazer dele um exemplo, e aplicou-lhe uma inusitada pena de 10 a 20 anos de prisão. Singleton, macaco velho, contratou um advogado e foi condenado a apenas dois. Dillinger passou os nove anos seguintes preso. Primeiro no Reformatório Estadual de Indiana e, depois, na Prisão Estadual de Michigan, que era pior.

Teve, na prisão, um comportamento exemplar, no mau sentido: nos dois primeiros anos, recebeu punições por jogo, conduta desordeira, brigas, destruição de propriedades, tentativas de fuga. Muito mais tarde, em carta ao pai, ele pediria desculpas por suas ações e diria que, "se eu tivesse tido um tratamento mais leniente quando cometi meu primeiro erro, nada disso estaria acontecendo".

Foi na prisão que Dillinger conheceu os criminosos que formariam o núcleo de sua gangue. Libertado em maio de 1933, ele se juntou a um grupo de pequenos meliantes e, com eles, passou a praticar assaltos no comércio.

Em 15 de janeiro de 1934, Dillinger assaltava o First National Bank em East Chicago, Indiana, quando o oficial de polícia William O'Malley o enfrentou, atirando. Dillinger usava um colete à prova de balas, e aqui há uma séria dúvida: alguns dizem que, por usar o colete, ele estava desarmado, enquanto outros afirmam que ele portava uma metralhadora e, com ela, matou O'Malley. Esta versão prevaleceu, e ele passou a ser procurado por homicídio.

Dez dias depois, a gangue foi presa em Tucson, Arizona, e Dillinger foi levado a Indiana para ser julgado pela morte do oficial. Foi para a prisão da pequena Crown Point, que teve seu policiamento reforçado.

Em março, pouco mais de um mês após sua prisão, apontou uma arma para os que o vigiavam e fez com que abrissem sua cela. Fez uma refém, roubou o carro do xerife e fugiu.

Mas aí cometeu o erro que viria a lhe custar a vida: com o carro do xerife, foi de Indiana para Illinois, rumo a Chicago. Com isso, violou uma lei federal: atravessou uma divisa de Estado com um veículo roubado. Até então procurado por agentes estaduais, entrou na mira do FBI.

Em 2008, o Universal Studios foi a Crown Point filmar cenas de "Inimigos Públicos", em que Johnny Depp interpreta Dillinger.

TIROS

Em 20 de abril de 1934, a gangue de Dillinger hospedou-se no Little Bohemia Lodge, em Manitowish Waters, no Estado de Winsconsin. Garantiram aos proprietários que não causariam problemas, mas não deixavam de vigiá-los. Os donos, porém, conseguiram enganá-los e mandaram uma mensagem ao promotor dos EUA em Chicago, que informou o FBI.

Três dias depois, uma patrulha de agentes chegou lá pela manhã. Os cães latiram, mas a gangue já estava acostumada aos latidos e não prestou atenção. Então, os agentes se enganaram e atiraram em um carro que deixava o local, achando que Dillinger e seus homens fugiam.

Alertada, a gangue conseguiu escapar. O Little Bohemia Lodge tornou-se um local de peregrinação. Até hoje é conservado como ficou, com todos os buracos de bala que recebeu.

Como já foi dito, Dillinger tem incontáveis fãs nos EUA. Há vários museus dedicados a ele. Em muitas cidades, há cartazes dizendo "Dillinger Assaltou Nosso Banco".

Quando morreu, muitos acorreram ao Biograph Theatre e molharam seus lenços no sangue dele. Outros foram ao necrotério e arrancaram tufos de seus cabelos, quase o deixando careca.

Anna Sage, The Lady in Red, não comoveu ninguém como informante e foi mesmo deportada para a Romênia, onde morreu em 1947.


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