Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Ucranianos buscam a capital, Kiev, para escapar de regiões em guerra

Civis deslocados por conflito com separatistas temem represálias e inverno rigoroso do país

Cerca de 310 mil pessoas tiveram de se deslocar por causa dos confrontos entre Exército e rebeldes

THOMÁS S. SELISTRE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM KIEV

Após a sua anexação pela Rússia no último mês de março, a região da Crimeia, até então parte da Ucrânia, acabou servindo como estopim para uma onda de manifestações nacionalistas nos territórios do leste do país.

Prédios públicos foram invadidos por insurgentes que pediam um referendo de independência e, com o apoio dissimulado da nação vizinha, desafiavam militarmente o governo ucraniano.

Cidades antes pacíficas viraram palco de guerra, e a escalada da violência na região de Donbas, que inclui Donetsk e Lugansk, fez com que milhares de civis deixassem suas casas.

Mikhail Yahorenko, 35, usa um nome fictício, por medo de represálias. Ele diz que trabalhava para a polícia de Lugansk e estava na sede do gabinete de segurança da cidade quando manifestantes, com pedras e barras de ferro, cercaram o edifício.

"Acabei no hospital", contou à Folha, enquanto esperava a sua vez de ser atendido em um centro de doações em Kiev. "Sobrevivi porque estava vestido à paisana e me deixaram passar." Mostra no celular uma foto em que aparece com a cabeça enfaixada. Diz haver sido tirada logo após o incidente e recorda a reação, naquele momento, de sua mulher.

Para a segurança de ambos, decidiram então ir embora com o filho, e a melhor opção para recomeçar a vida, segundo eles, foi estabelecer-se na capital.

Antes da guerra, Mikhail era responsável por perseguir colaboradores dos rebeldes, ou "terroristas", como chama. Despediu-se de Lugansk há pouco mais de um mês, semanas antes que seus pais também deixassem a cidade.

Segundo Mikhail, sua maior preocupação era a de receber cobertores para enfrentar o duro inverno do país, que pode chegar aos 30 graus negativos. Ele afirma estar desempregado e que suas economias não dão para muito tempo.

Após quase seis meses de conflito, é difícil dizer com exatidão o número de vítimas das hostilidades na região ou até mesmo se os enfrentamentos armados um dia irão ter fim. Na Ucrânia, nota-se que o pessimismo e o medo imperam nas conversas.

Segundo a Organização das Nações Unidas, já são ao menos 3.000 mortes. Especula-se que o número de vítimas civis na região de Donetsk seja superior a mil, e a situação tende a piorar nas próximas semanas caso não se abram corredores humanitários e cessem definitivamente as hostilidades.

De acordo com ONGs como os Médicos Sem Fronteiras, trabalhar na região é extremamente arriscado, e os recursos começam a acabar.

Inúmeros hospitais foram bombardeados nos últimos meses e falta material médico para tratar em torno de 6.200 feridos.

ABRIGO EM FÁBRICA

Devido à violência fora de controle em Donbas, Sergei Makarenki, 45, vive hoje em uma fábrica abandonada dentro de Kiev com outras 190 pessoas.

Assim que o Exército ucraniano expulsou os rebeldes da cidade vizinha de Sloviansk, no início dos enfrentamentos, ele conta que se viu obrigado a fugir, deixando familiares e amigos.

Sergei diz ter muita energia e que, apesar das pernas amputadas, não hesita em se sacrificar para dar segurança ao filho pequeno e à mulher, grávida de uma menina. No abrigo, dormem em beliches, num espaço apertado e úmido dividido do corredor por uma cortina.

Longe de casa, a solução foi viver temporariamente no abrigo, de onde, prevê, deverá ir embora antes que nasça o bebê, em novembro.

"Nesta semana, soube que haviam assassinado o meu tio porque, segundo os rebeldes, ele havia roubado. Meu tio não era ladrão. Julgaram ele ali, no meio da rua."

Mesmo com o cessar-fogo assinado no dia 5 de setembro em Minsk, na Bielorrússia, Sergei, que mantém contato quase diário com Donetsk, afirma que no leste, hoje, o caos impera. "Os rebeldes fazem o que querem. Matam, roubam, sequestram. Não existe lei."

MILÍCIA GOVERNISTA

As tropas pró-Rússia, entretanto, não são as únicas a aterrorizar a população, segundo a Anistia Internacional, que denuncia voluntários como o Batalhão Aidar, um dos 30 grupos que lutam ao lado do governo.

Fora da hierarquia do Exército, esses combatentes cometer crimes como extorsões e execuções sumárias.

Até abril, cerca de 4 milhões de habitantes viviam nas áreas atualmente disputadas entre as tropas do presidente Petro Poroshenko e o exército rebelde.

De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), contando com aqueles que viviam na Crimeia, em torno de 1 milhão de pessoas abandonaram o lar, número que vem disparando nos últimos meses.

Dentro do país --sem considerar os refugiados em nações vizinhas como Moldávia, Romênia e, principalmente, Rússia-- são mais de 310 mil deslocados oficialmente cadastrados.

Muitos, no entanto, não se registram e, por isso, não fazem parte dos números. Outros, com a retomada de territórios pelo Exército nacional, retornam para casa, mas permanecem nas estatísticas.

Aqueles que não tiveram tanta sorte dependem da ajuda da sociedade civil.

Viktoria Grushenko, 31, deixou a localidade de Horlivka, 43 km ao norte Donetsk, após receber a notícia de que a situação havia se deteriorado. Em lágrimas, relata que luta para prosseguir com o tratamento de seus dois filhos, com deficiência nas pernas.

"Estou desesperada, mas não voltamos para casa porque os rebeldes estão obrigando os homens a combater", conta. "Como se não bastasse, meu irmão foi sequestrado ao lado de um amigo. Por sorte, ele conseguiu fugir, mas o amigo acabou morto."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página