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'Crise ucraniana era evitável', diz negociador

William Ury, especialista em mediação de conflitos, participa de evento em São Paulo

DANIEL MÉDICI DE SÃO PAULO

Se o mundo não é um lugar pacífico, certamente não é por culpa de William Ury. Nos últimos 30 anos, o antropólogo americano tem se empenhado na mediação de conflitos, seja entre países, seja entre executivos de uma mesma multinacional.

Durante os anos 80, na Casa Branca, Ury participou da criação de um projeto de prevenção de uma guerra nuclear acidental, num esforço conjunto com Moscou.

Ele também desenvolve projetos no Oriente Médio e é fundador do Programa de Negociação da universidade Harvard, sobre o tema.

Ury conversou com a Folha por telefone antes de vir a São Paulo, onde participa do evento Trip Transformadores, nesta terça, como palestrante. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - Atualmente, um plano de paz finalmente está em curso para resolver o conflito entre Urânia e rebeldes pró-Rússia. Como o senhor avalia a situação?
William Ury - Em primeiro lugar, é preciso dizer que esse conflito é uma tragédia desnecessária, que poderia ter sido facilmente evitado com mais esforço diplomático internacional.
A resolução da crise passa pelo respeito genuíno à soberania da Ucrânia sobre seu território, mas também pelo respeito à população de origem russa que vive na região.
A Rússia não tem interesse em uma guerra contra a Ucrânia, pois seria economicamente difícil de sustentá-la no momento. Moscou se contentaria em não ver a população de origem russa não ser varrida do território ucraniano [com um governo pró-europeu em Kiev].

O senhor participou da mediação entre EUA e União Soviética nos últimos anos da Guerra Fria. Há alguma relação que o senhor traça com a crise atual?
Nos anos 1990, após o colapso da União Soviética, o embaixador americano George Kennan [1904-2005], autor de um famoso artigo que alertou Washington sobre os planos de expansão de Moscou sobre a Europa, escreveu um novo artigo sobre a Rússia.

Ele pedia para que os EUA não aproveitassem o momento de fraqueza que a Rússia passava para tirar proveito. Kennan também era contra a aproximação entre a Otan [aliança militar ocidental] e os países da esfera soviética, o que acabou acontecendo.
Acredito que boa parte da tensão entre a Rússia e o Ocidente seja resultado desse processo, de a Rússia sentir que a Otan está muito próxima de seu território.
Por outro lado, atualmente, sem a Cortina de Ferro, o diálogo com Moscou é muito mais fácil. Agora há muitos executivos russos em Londres, por exemplo.

Pelo menos a questão nuclear não é mais um problema...
Isso é verdade, mas é sempre muito importante ter cuidado quando se lida com países que possuem arsenal nuclear. Este ano, as comemorações do centenário da Primeira Guerra Mundial foram um lembrete de como pequenas crises podem se transformar em grandes crises. Naquela época, ninguém pensava que um assassinato em Sarajevo pudesse desembocar numa guerra envolvendo a Europa inteira.

Na região de Israel e dos territórios palestinos, onde o senhor desenvolve um projeto atualmente [a ONG Abraham Path, que preconiza uma ponte entre as culturas judaica, islâmica e cristã], vimos recentemente mais um conflito, a operação israelense Margem Protetora. Qual o caminho para uma paz duradoura?
O problema, aqui, seja que ambos os lados trabalhem com uma mentalidade de "soma zero", na qual, para que alguém saia vitorioso, é necessário que o outro perca. Ou seja, ambos os lados pensam que ganham às custas do prejuízo do outro.
Acredito, no caso de Israel e dos palestinos, que a solução passa em transformar o jogo de "soma zero" em um jogo de soma positiva, em que todos ganhem com a paz.
Na verdade, a própria natureza dos conflitos atuais mudou --em função de diversos fatores, como a globalização, a natureza das armas utilizadas, etc.
Ninguém mais é capaz de vencer um conflito com a mentalidade da soma zero. Mesmo os EUA pensaram que iriam sairiam vitoriosos do Iraque e do Afeganistão, e não foi isso exatamente o que aconteceu.

Como o senhor vê o plano de Obama contra o Estado Islâmico, intensificando os ataques sem mandar soldados americanos para o front?
Obama tem sofrido muita pressão de certos setores para reagir imediatamente ao Estado Islâmico, mas, felizmente, ele tem se mantido calmo e vem fazendo as coisas com paciência.
Para os terroristas, seria ótimo que os EUA reagissem irrefletidamente. É isso o que eles querem quando cortam a cabeça de jornalistas. É interessante para eles ter os EUA como inimigo --é assim que mobilizam mais integrantes. Em diplomacia, porém, é um erro terrível agir com pressa, sem conhecer o inimigo.


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