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O retorno de Bryce

Com dois filhos no Exército dos EUA, o americano Larry Syverson diz temer que um deles seja enviado ao Iraque para combater facção

ISABEL FLECK ENVIADA ESPECIAL A RICHMOND (VIRGINIA)

Em 2003, quando três de seus quatro filhos estavam servindo no Iraque, o geólogo americano Larry Syverson, 65, fez um pedido aos vizinhos: que não batessem à sua porta de surpresa.

Para ele, cada aproximação não esperada à sua casa, em Richmond, Virgínia, poderia trazer má notícia sobre um dos filhos em combate.

A "regra" segue até hoje. O filho mais novo, Bryce, 36, está na terceira missão (depois de duas no Iraque, agora serve no Afeganistão), e Syverson confessa: só ficará aliviado quando abraçá-lo em seu retorno, previsto para novembro.

"Você nunca consegue pensar que eles estão a salvo", diz Syverson, que mantém uma fita amarela com o nome do filho amarrada à árvore em frente de casa e uma vela acesa na janela como símbolos da espera. Em 2003, eram três as fitas e as velas.

Bryce faz parte dos quase 20 mil militares --dos cerca de 29 mil hoje em campo-- que devem retornar aos EUA até o fim deste ano, com o fim do combate no Afeganistão.

Na terça (30), o novo governo afegão assinou o acordo bilateral com os EUA que prevê as condições para manutenção de 9.800 militares americanos no país. O contingente irá treinar tropas locais e realizar operações pontuais de contraterrorismo.

O acordo, válido até 2024, já abre espaço para uma possível extensão da missão.

"Obama diz que a guerra do Afeganistão é a guerra boa' e a do Iraque é a ruim', mas as duas são ruins para os EUA. Temos que sair logo do Afeganistão, nunca deveríamos ter estado lá", afirma o geólogo.

Nos últimos 11 anos, ele viu, oito vezes, seus filhos Branden, 42, e Bryce (que servem no Exército) e Brent, 40, (aposentado pela Marinha) irem para a guerra. Calcula que participou de cerca de 200 protestos contra as intervenções no Iraque e no Afeganistão, muitos diante da Casa Branca.

Syverson diz ter medo que um dos dois filhos que ainda estão no Exército possam ser enviados ao Iraque novamente, desta vez contra a milícia radical Estado Islâmico (EI).

"Apoio os bombardeios, mas não um novo envio de tropas. Uma vez que você manda militares, vai precisar sempre de mais", afirma.

O temor de Syverson sobre a volta do filho é reforçado pelo histórico de Bryce. "Em abril de 2004, ele me ligou dizendo que estava no Kuait, voltando. Horas depois, me avisaram que teria de ficar no Iraque por mais 90 dias. Foi como ir do céu ao inferno."

Bryce serviu no Iraque pela primeira vez aos 24 anos, em 2003. Meses depois de voltar à Alemanha, onde morava, desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático.

"No Réveillon de 2004, os fogos de artifício trouxeram de volta o estresse da guerra, quando ele não dormia por causa dos tiros", conta o pai do militar. Com receio de que Bryce tentasse suicídio, o Exército tirou seu porte de arma e o pôs em tratamento psiquiátrico. Um ano depois, porém, foi reenviado ao Iraque.

Bryce, que viu a morte de amigos em combate, não superou o trauma. Passou por tratamento novamente em 2010 e se separou da mulher.

Hoje, no Afeganistão, aparenta estar "bem, levando", afirma o pai, que fala uma vez por mês com o filho.

Num dia de semana, por duas vezes, Syverson correu aflito para atender ao telefone enquanto conversava com a Folha. Felizmente, disse, nenhuma das ligações vinha do Afeganistão. "Comemoramos dia após dia. Hoje já é um a menos até a sua volta."


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