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Clóvis Rossi
Meu "cholé", minha vida
Bolívia de Evo Morales é a demonstração de que o populismo pode funcionar e garantir crescimento
Nas muitas zonas pobres da Bolívia, parte dos casebres precários estão dando lugar a construções sólidas, até de mais de um andar.
Tão sólidas que estão sendo apelidadas de "cholés", bem humorada combinação de chalé com cholo, como são designados os mestiços, a maioria da população.
A passagem de favela para "cholé" é uma das razões pelas quais o presidente Evo Morales será reeleito domingo, 12, com facilidade, o que lhe permitirá ficar 14 anos consecutivos no poder, até 2020.
A Bolívia de Evo é um tremendo sucesso econômico e social. Crescerá este ano 5,2%, o melhor resultado na América Latina, atrás só do Panamá. No ano passado, já crescera 6,8%, perdendo apenas do Paraguai.
O melhor da história é que o crescimento veio acompanhado de substancial redução da pobreza: Evo gaba-se de tê-la reduzido de 38%, quando assumiu em 2006, para 18%. Os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento apontam na mesma direção, com números e um período algo diferentes: os pobres eram 58,3% em 2000 e, em 2012, haviam sido reduzidos a menos da metade (26,1%).
Os programas sociais implementados pelo governo são, obviamente, os responsáveis por esse progresso. Mas são igualmente objeto de desprezo por parte de setores conservadores e liberais, que perderam peso na Bolívia e na maior parte da América Latina, Brasil inclusive.
Evo é acusado de assistencialista e populista. Que os programas são assistencialistas, são mesmo, mas acabaram provocando uma mudança de qualidade para uma fatia ponderável de bolivianos: deixaram de ser marginalizados para se tornarem consumidores.
Reconhece, por exemplo, Augusto de la Torre, economista-chefe (liberal) do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe: "Pela primeira vez na história recente, a região já não está seguindo um ciclo de bonanças e crises do tipo que costumava gerar um retrocesso econômico de muitos anos, prejudicando especialmente aos pobres".
Vale para a Bolívia, vale para o Brasil, mas não vale tanto assim para a Venezuela, porque, por mais que Evo se situe e seja colocado no grande saco dos regimes de esquerda, sua gestão é mais responsável.
Escreve por exemplo o jornalista e escritor Fernando Molina para "Infolatam":
"O de Morales foi um governo sem demasiadas ganas de socializar a propriedade, exceto quando se tratava da propriedade de recursos naturais ou de seus inimigos políticos (nacionalizou uma fábrica de cimento de Samuel Dória Medina, principal candidato da oposição). E, discursos à parte, mostrou menos ganas ainda de aplicar o paradigma indigenista de viver bem', que, como se sabe, despreza o desenvolvimento econômico em proveito da harmonia ambiental e social".
Falta agora corrigir a outra face de Evo, que, como escreve o analista Carlos Toranzo Roca, "construiu outro patamar de inclusão social, mas junto a um grande autoritarismo político, que não respeita plenamente as liberdades democráticas, os direitos humanos e as liberdades de expressão e de opinião".