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Clóvis Rossi

O pecado já não mora ao lado

Documento dos bispos, inspirado pelo papa, é uma lufada de ar fresco em uma igreja paralisada por dogmas

Ao saltar da qualificação para os homossexuais de "intrinsecamente desordenados" para eventuais portadores de "dons e qualidades a oferecer", o Vaticano dá um gigantesco passo, mesmo sem mudar a doutrina (por enquanto) em uma única vírgula.

Mas a Igreja Católica Apostólica Romana, alguém já disse, é como um transatlântico que leva uma eternidade para dar a mais leve guinada.

Ao desafiar a própria igreja, no mesmo documento, a achar "um espaço fraternal" para homossexuais, na prática o que se está fazendo é abrir as portas para que entre uma lufada de ar fresco, tão necessária no Brasil em um momento em que a homofobia virou patético tema de campanha.

Desnecessário dizer que a inflexão se deve ao papa Francisco, que, na viagem de volta do Brasil a Roma, já havia dito que não lhe cabia julgar os gays.

Foi preciso esperar 16 meses desde esse tímido sinal para que uma assembleia de bispos assumisse posição algo mais ousada. Prova de que a igreja é lenta nas mudanças e de que essa temática, como todas as que se relacionam com o uso do corpo humano, enfrenta forte resistência.

Outro assunto em que houve avanço (retórico) considerável é no tratamento a casais heterossexuais não casados na igreja.

Até agora, a igreja dizia que esse pessoal "vivia em pecado". Agora, o texto menciona "aspectos positivos" em tais uniões, mais ainda se o casal encarar o matrimônio civil como um prelúdio para o casamento na igreja.

Faltou, pelo menos na súmula que pude ler, menção a outro tabu que o papa já tocara, também no avião, de regresso de outra viagem (esta a Israel). Perguntado sobre a eventual aceitação, pela igreja, de padres casados, Francisco saiu pela tangente, mas não fechou a porta.

Respondeu: "A Igreja católica tem padres casados. Católicos gregos, católicos coptas, existem no rito oriental. Porque não é um debate sobre um dogma, mas sobre uma regra de vida que eu aprecio muito e que é um dom para a Igreja. Por não ser um dogma da fé, a porta sempre está aberta".

A frase foi muito pouco ou nada difundida no Brasil talvez porque não havia jornalistas brasileiros a bordo.

E fora dita num contexto emocional, uma vez que, pouco antes, um grupo de 26 mulheres apaixonadas por sacerdotes enviara uma carta a Bergoglio pedindo-lhe que deixasse de proibir "um vínculo tão forte e bonito".

Se gays têm "dons e qualidades a oferecer", se há "aspectos positivos" em casamentos não realizados na igreja, parece inescapável entender que padres casados também têm uma contribuição a dar. E não é numericamente menor: haveria no mundo cerca de 100 mil padres casados, segundo a Confederação Internacional de Padres Casados.

Como há notória crise de vocações na Igreja católica, o reforço desse contingente poderia ajudar a abrir de vez as pesadas portas que o Vaticano manteve tanto tempo fechadas.

E estaria cumprindo o papel que o papa Francisco lhe atribuiu, na semana passada, de servir de "hospital de campanha para almas que sofrem".

crossi@uol.com.br


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