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Assad usa 'comitês populares' na guerra

Ditador sírio ativa vizinhos dispostos a sair às ruas para deter os insurgentes, que intensificam cerco a Damasco

Grupos aliam minorias pró-governo e recebem treinamento e armas do regime; atuação tem ruídos com Exército

Associated Press
Soldado sírio vasculha prédio destruído
Soldado sírio vasculha prédio destruído
SAMY ADGHIRNI ENVIADO ESPECIAL A DAMASCO

Noite fria e chuvosa em Jaramana, periferia pobre a sudeste de Damasco.

Homens à paisana carregando fuzis estão postados numa rua mal iluminada.

Eles param todos os carros e conferem documentos dos ocupantes. Alguns motoristas recebem ordem para abrir o porta-malas.

Mesmo sem vínculo formal com a polícia e o Exército, os homens que controlam a rua têm carta branca para questionar, prender e atirar.

São membros dos comitês populares criados pelo ditador Bashar Assad para reforçar a batalha do regime contra os rebeldes, uma luta que já dura 20 meses e deixou ao menos 40 mil mortos.

Os comitês funcionam como uma força local de moradores dispostos a sair às ruas para enfrentar grupos insurgentes que atacam bairros povoados por minorias pró-governo, como Jaramana.

Reduto cristão e druso, a área está na linha de frente do avanço insurgente predominantemente sunita que cerca a capital à espera do ataque final ao coração do regime Assad.

Integrantes dos comitês populares são treinados, armados e às vezes pagos pelo governo. Eles conhecem cada rosto e cada rua, ao contrário do Exército.

Pela proximidade com o município vizinho de Meliha, área sob forte influência rebelde, Jaramana está sob ameaça constante.

"Nosso posto de controle teve que ser recuado em cem metros depois que o pessoal de Meliha atirou contra nós há alguns dias", disse o desempregado Abu Ala, 36, ao falar com a Folha enquanto monitorava carros na noite da última segunda-feira.

O zelo dos comitês não foi suficiente para impedir facções rebeldes ultrarradicais de infiltrar vários carros-bomba em Jaramana nos últimos meses. O atentado mais recente ocorreu na semana passada e matou 34 pessoas, entre as quais algumas crianças que iam à escola.

O chefe do comitê popular em Jaramana é Wissam B., 56, cristão que transformou sua pequena agência imobiliária em base de operações.

Sentado em seu escritório, Wissam alterna rápidas conversas por rádio e por celular. O ambiente na lojinha cheira a cigarro e narguilê.

"Queremos impedir a entrada dos terroristas e proteger nossa terra e nossa honra", diz Wissam, cercado por seis jovens que estão sob suas ordens naquele turno.

CERCO E MORTE

Com uma população estimada em 200 mil habitantes, Jaramana tem ao menos 500 homens no comitê local, segundo o empresário.

Na mesa dele há um retrato sorridente de seu filho de 22 anos que morreu em julho ao patrulhar a cidade.

"Ele estava na frente de uma lanchonete quando um bando passou de carro e iniciou um tiroteio que deixou quatro dos nossos jovens mortos", conta.

Wissam diz ter matado pessoalmente os assassinos de seu filho, mas se recusa a dizer se por execução ou em combate. Ele também rejeita falar sobre a procedência das armas usadas por seu grupo e sobre apoio financeiro, dizendo apenas ser "dependente do governo".

O empresário nega que os comitês estejam acirrando tensões sectárias ao favorecer minorias étnico-confessionais pró-Assad.

"Este rapaz é sunita, aquele é druso e esse é cristão, todas as religiões do povo sírio estão nos comitês", diz Wissam, apontando para jovens corpulentos, de barba, tênis e calça militar.

Esse visual é típico dos shabiha, milicianos a favor do regime suspeitos de ter cometido atrocidades contra civis oposicionistas. Não foi possível comprovar a impressão.

Um jovem entra de repente na agência anunciando um ataque insurgente a alguns quarteirões dali. Um dos rapazes se levanta, tira de uma bolsa preta um fuzil com aparência ultramoderna e sai da loja às pressas.

"Quando o combate é grande, recorremos à ajuda do Exército, que chega rápido", afirma o radialista Majid, 25, membro do comitê local.

TENSÃO COM O EXÉRCITO

Mesmo a serviço do regime, os comitês às vezes entram em atrito com o Exército. Na semana passada houve gritaria e confusão com soldados em Bab Tuma, um bairro cristão na Cidade Antiga, em Damasco, possivelmente devido a divergências sobre o monitoramento.

O empresário Wissam minimiza. "São rixas entre pessoas ou clãs que acabam se refletindo na relação entre nosso pessoal e o Exército."

A eficiência dos comitês também é vista com ceticismo diante de rebeldes cada vez mais fortalecidos pelo apoio de países islâmicos contrários a Assad e pelo reconhecimento oficial por potências ocidentais.

"Algumas noites atrás os rebeldes chegaram até a porta de Bab Tuma, e nenhum membro dos comitês estava lá", diz o gerente de um restaurante.


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