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Egito mostra divisão antes de referendo
Irmandade Muçulmana quer aprovar Constituição, baseada na lei islâmica, para consolidar seu poder após revolução
Cercado por tanques e arame farpado, o palácio presidencial foi mais uma vez alvo de protestos da oposição
Mais dividido do que nunca, o Egito volta hoje às urnas para um referendo constitucional que o governo islamita considera decisivo para concluir a turbulenta transição política iniciada com a revolução de 2011.
Seja qual for o resultado, porém, a instabilidade parece longe do fim, tamanha é a polarização entre os islamitas e seus opositores.
Em jogo, está um projeto de Constituição rejeitado pela oposição, que o considera um risco às liberdades individuais e das minorias.
Na véspera da votação, a divisão estava nas ruas, com manifestações contra a Constituição e a favor dela.
Não repetiram-se as cenas de violência das últimas duas semanas, que deixaram pelo menos dez mortos, mas a tensão era palpável.
Cercado por tanques e arame farpado, o palácio presidencial foi mais uma vez alvo de protestos da oposição, que montou uma tenda com fotos e testemunhos de vítimas da violência usada por militantes islamitas.
"A revolução continua", disse a agente de viagens Sahar Salama, segurando um cartaz em que o emblema da Irmandade Muçulmana se unia à bandeira de Israel. "São nossos dois inimigos."
A atual crise teve início há três semanas, quando o presidente Mohamed Mursi emitiu um decreto que tornou suas decisões imunes a contestação judicial. A medida uniu a fragmentada oposição e despertou antigos temores de uma guinada autoritária dos islamitas, levando milhares de pessoas às ruas.
Sob pressão, Mursi cancelou parte do decreto, mas manteve o referendo sobre a nova Constituição, moldada pela maioria islamita no Parlamento, para repúdio de seus críticos. A oposição chegou a considerar o boicote, mas optou pela campanha contra a Constituição.
Além de não reconhecerem a legitimidade da Assembleia Constituinte e a maneira acelerada com que concluiu o texto, os opositores afirmam que a nova Constituição abrirá espaço para a aplicação de leis islâmicas extremistas.
Um dos artigos mais polêmicos entre os 236 do longo documento é o que confere a um conselho de especialistas da Universidade Al Azhar, centro mundial do islã sunita, autoridade para interpretar a Constituição.
A sharia (lei islâmica) já era a referência da legislação do país na Constituição em vigor no país durante a ditadura de Hosni Mubarak, deposto no ano passado.
Na prática, porém, o ditador limitava a sua aplicação, por meio de seu controle do Parlamento e do Judiciário. Na nova Constituição, o papel do islã é ampliado de forma significativa e a aplicação da sharia poderá ser garantida pelo poder dos islamitas.
"O principal problema é que não há consenso no Egito. Neste caso, o melhor seria ampliar as fontes de interpretação da lei, mas a nova Constituição faz justamente o oposto, dando aos catedráticos islâmicos o papel de juízes", diz Mina Khalil, professor de direito da Universidade Americana do Cairo.
Com cópias da Constituição nas mãos, simpatizantes da Irmandade Muçulmana fizeram uma grande festa a poucos metros dos opositores no palácio presidencial.
"Islã, islã, islã", gritava um líder religioso no microfone em frente a uma mesquita, para delírio de milhares de pessoas.
Entre eles, havia confiança de sobra de que a Irmandade Muçulmana terá mais uma vitória nas urnas, depois de conquistar metade do Parlamento e a Presidência.
"Há uma tendência natural em todo o mundo árabe de um retorno ao islã", disse o professor de inglês Ahmed Kassem, 31. "A Constituição devolve a igualdade aos egípcios, depois de 60 anos de ditadura militar."
O referendo será dividido em dois dias de votação, hoje e no próximo sábado, e as cédulas terão uma formato simples, com as opções sim e não. Caso a carta não seja aprovada, haverá outra votação para eleger uma nova Assembleia Constituinte.