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Entrevista da 2ª - Karl Rove

Temos de aplicar os princípios republicanos à nova realidade

'Cérebro' de George W. Bush e uma das vozes mais ouvidas no partido, Rove defende adequar os ideais de Ronald Reagan a um cenário marcado pela mudança demográfica nos EUA

Stacie McChesney/NBCU
Rove durante programa de entrevistas na TV
Rove durante programa de entrevistas na TV
LUCIANA COELHO DE WASHINGTON

Ele foi chamado de "cérebro" de George W. Bush, louvado e execrado em proporções semelhantes e ganhou do chefe o apelido de "flor do estrume", em alusão à planta nascida de dejetos de vacas no Texas, onde fez carreira.

Agora, Karl Rove defende que o Partido Republicano dê lugar à geração que prega os ideais de Ronald Reagan, mas que é também mais antenada com a mudança demográfica no país (o avanço do eleitor latino) e a redenção do "conservadorismo com compaixão" de Bush (2001-09).

Rove, que faz 62 anos neste Natal, arquitetou não só a campanha como boa parte da política do republicano nos sete anos que passou na Casa Branca (de 2004 a 2007, como vice-chefe de gabinete).

Criticado pelas posições políticas e admirado pela visão estratégica, continua a ter uma das vozes conservadoras mais ouvidas, seja no "Wall Street Journal", na Fox News ou em seu grupo de ação política (leia abaixo).

O estrategista, que prefere escrever artigos a responder perguntas, conversou com a Folha por telefone na última quinta -sua primeira entrevista a veículo brasileiro-, após voltar à Fox News, onde rejeitara no ar as projeções da reeleição de Barack Obama.

Falou do rumo do partido, do choque fiscal, de verba de campanha, de lembranças da Casa Branca e do xadrez eleitoral para 2016.

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Folha - Qual sua expectativa para o abismo fiscal [cortes no Orçamento e aumento de impostos que, na falta de um pacote fiscal, entrarão em vigor dia 1º]? Há acordo possível?

Karl Rove - Sim, se o objetivo do presidente for ampliar a receita. Mas está ficando claro que ele tem um objetivo político obtuso.

Qual?

Dividir os republicanos na Câmara. Ele quer fraturar sua oposição política, achando que conseguirá realizar mais no segundo mandato. Se fechasse um acordo com os republicanos e construísse um patamar de confiança com eles, porém, aumentaria sua chance de ter apoio majoritário no futuro. Do jeito que faz, só vai atrair ressentimento.

Os republicanos terão maioria na Câmara até 2014 [a eleição é bienal], e a chance de manterem essa maioria é alta -na história, com uma exceção, a oposição avançou no segundo mandato.

Em dez anos, o que importará mais, se ele convenceu os republicanos a elevar o imposto dos mais ricos ou se teve acordo? Ele vai conseguir, de alguma maneira, o aumento de impostos, e só.

Para uma parte dos analistas políticos, Obama aposta que a população culpará a oposição se o país cair no abismo.

Ele está certo. Mas, se não conseguir uma solução, em algum momento a desculpa de que [a oposição] não quis acompanhá-lo se esgotará. Vão questionar por que ele rejeitou a oferta. E, se os republicanos cederem no aumento dos impostos para os mais ricos, como fica o resto?

A oferta atual é a melhor que a oposição pode fazer?

Os republicanos já propuseram uma maneira de Obama conseguir os US$ 800 bilhões [R$ 1,7 trilhão] a mais em arrecadação que ele quer [limitando deduções]. Agora estão tentando reduzir a chance de levarem a culpa.

Um jeito é ceder só no aumento dos impostos e em mais nada, deixando [Obama] com as consequências.

Outro grupo busca uma fórmula que exima empresas dessa tributação. Isso deixaria o presidente em posição difícil, pois ele diz que quer os ricos, e não as empresas, pagando mais.

O sr. alega que Obama força a barra em dizer que tem mandato para subir impostos porque foi reeleito.

Obama foi eleito para o Senado em 2004, quando Bush foi reeleito presidente. Ele se achava obrigado a apoiar a reforma da Previdência Social? A Guerra do Iraque? Não.

Mas a oposição também diz ter mandato para não subir os impostos...

Ambos têm, em certa medida. Mas o presidente está dizendo que esta eleição tratou só dos impostos para os mais ricos. E as pessoas são capazes de ter ideias conflitantes. Exigir que tem de ter o que quer porque foi reeleito é não reconhecer o sistema.

O que isso diz sobre o novo mandato de Obama? Ele irá mais para a esquerda?

Sim. E agirá de forma imperial -já disse que quer poder aumentar o limite da dívida [hoje, depende do Congresso]. Se fosse Bush, o "New York Times" pegaria no pé.

Na eleição, o que a campanha de Obama fez certo e o que os republicanos fizeram errado?

Obama disse que queria ajudar a classe média e que a tinha ajudado mantendo as montadoras vivas [com o pacote à indústria automotiva]. [Mitt] Romney, embora no partido mais votado pela classe média [52% a 46%], poderia ter feito melhor se reconhecesse a quem falava.

O que a campanha de Obama fez de maneira soberba foi massacrar Romney entre os indecisos, que estavam desapontados com o presidente, mas no fim acharam que ninguém merecia seu voto.

Só seis vezes na história o total de votantes na eleição presidencial caiu em relação à anterior [o voto é facultativo nos Estados Unidos].

A campanha de Obama também foi muito bem ao mirar seus eleitores -jovens, mulheres solteiras, negros, latinos- e animá-los a votar.

Os republicanos vão investir nisso agora?

Com certeza! Vão tentar entender e copiar.

Bush defendia o conservadorismo com compaixão social, que ressoava com o eleitorado e que não se vê mais.

Sim. Mas acho que muita gente hoje percebe que muito do que Bush fez visava, por exemplo, os latinos, que nós acreditávamos em fazer os EUA melhores para todos, em dar chance para quem está embaixo subir.

Mas houve rejeição dessa ideia pelo próprio partido.

É, mas já dá para vê-la nos governadores republicanos. E nos últimos discursos do [senador] Marco Rubio e do [deputado e ex-candidato a vice] Paul Ryan, isso apareceu.

Quem o sr. gostaria de assessorar em 2016?

É cedo para decidir. Estou esperando para ver como essas pessoas se saem.

O sr. tem citado eventuais presidenciáveis -a maioria, caras novas no partido. O que une Rubio, Ryan, [a governadora do Novo México] Susana Martinez, [o de Nova Jersey] Chris Christie? E o que os distingue da última geração?

Eles sabem reconhecer pontos de sucesso dos anos Reagan [1981-89], mas admitem que temos de aplicar os princípios do partido à nova realidade do país.

E do lado democrata? Hillary Clinton voltou a dizer que não pretende concorrer.

Ela tem tempo para mudar de ideia, e vários democratas podem desafiá-la: o governador [Martin] O'Malley, de Maryland; [Andrew] Cuomo, de Nova York. Outros surgirão.

O sr. fundou os grupos de ação política American Crossroads [encruzilhada americana] e o Crossroads GPS. As críticas a esse tipo de grupo, sem limites de arrecadação, crescem. O que eles trazem à política?

Formamos o Crossroads porque os democratas fazem isso há décadas, e eu e [o ex-presidente do Partido Republicano] Ed Gillespie cansamos de brigar com uma mão amarrada nas costas.

Em 2004, os democratas tinham o Americans Coming Together [americanos se unindo], ao qual [o megainvestidor] George Soros deu US$ 38,5 milhões [com um sócio]; gastaram US$ 124 milhões a mais. Resolvemos copiá-los.

O sr. realmente afirma que é questão de equilíbrio?

É claro. Os sindicatos gastaram US$ 400 milhões por Obama em 2008 [segundo o Centro pela Política Responsável, os sindicatos gastaram US$ 207 milhões, majoritariamente com democratas].

E se não houvesse contrapartida? Essas iniciativas fazem bem à campanha?

A gente pode discutir qual sistema é melhor, mas este é o que temos. Preciso desligar.

Qual sua melhor e sua pior lembrança da Casa Branca?

A pior é o 11 de Setembro [em 2001]. A melhor são os dias logo depois dele, quando vimos um líder se erguer à altura dos acontecimentos.


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