Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Thatcher admitiu surpresa por invasão 'estúpida' das Malvinas
Arquivo Nacional britânico libera aproximadamente 3.500 documentos secretos sobre conflito
Reino Unido ameaçou romper com a França por causa de venda de mísseis Exocet para latino-americanos
Estúpida, absurda e ridícula. Assim a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher descreveu a decisão da ditadura militar argentina de invadir as ilhas Malvinas, num depoimento mantido em sigilo durante 30 anos.
A ação pegou a Dama de Ferro de surpresa e deu início a uma guerra que mataria mais de 900 pessoas entre abril e junho de 1982. Suas tropas conseguiram retomar as ilhas, que são chamadas de Falklands no Reino Unido.
Ontem, o Arquivo Nacional britânico liberou cerca de 3.500 arquivos secretos sobre o conflito. Entre eles, o depoimento em que Thatcher justificou o susto com a invasão a uma comissão independente que investigou a guerra.
"Eu nunca, nunca esperei que os argentinos fossem invadir as Falklands. Era uma coisa tão estúpida... era estúpido até mesmo para se imaginar", disse a primeira-ministra. "Eu achava que seria tão absurdo e ridículo que eles jamais fariam isso."
Depois, quando a invasão se consumou, Thatcher disse ter vivido "o pior momento" da sua vida. Ela afirmou que não sabia, na madrugada em que foi avisada da ação militar, se conseguiria reconquistar o território dos argentinos.
"Ninguém podia me dizer se nós poderíamos retomar as ilhas. Ninguém podia", frisou. "Nós não sabíamos."
Outro documento liberado ontem mostra que Thatcher ameaçou romper relações com a França para pressionar o então presidente François Mitterrand a suspender a venda de mísseis Exocet ao Peru. Ela afirmou que o armamento poderia cair nas mãos da ditadura argentina.
"Isso teria um efeito devastador na relação entre os nossos países, que são aliados", disse a primeira-ministra num telegrama secreto.
Os papéis do governo britânico também mostram que Thatcher chegou a admitir a possibilidade de ceder para evitar um conflito depois da invasão militar das ilhas.
Seus planos não incluíam abrir mão da soberania sobre o território, mas previam medidas como a entrada de representantes da Argentina na administração local.
A proposta foi recusada pelo governo do general Leopoldo Galtieri (1926-2003), que forçou o início da guerra. Ele renunciaria após a derrota militar para o Reino Unido, que selou o fim da ditadura militar na Argentina.
Em discussões internas do governo britânico, Galtieri chegou a ser descrito como um alcoólatra que não devia ser levado a sério. Mas o embaixador em Buenos Aires, Anthony William, advertiu que o país não era uma "república de bananas".
A lei britânica prevê a divulgação de papéis secretos do governo depois de 30 anos. Para pesquisadores, o depoimento de Thatcher sobre as Malvinas foi um dos documentos mais importantes a serem liberados no país nos últimas décadas.
"A guerra já foi tema de muitos livros e pesquisas, mas isso nunca tinha vindo à tona. O depoimento de Thatcher, em linguagem muito emocional, deixa claro que ela realmente foi pega de surpresa e estava insegura sobre as chances de vitória", disse à Folha Simon Demissie, historiador do Arquivo Nacional.
As Malvinas ainda causam atritos entre o Reino Unido e a Argentina. Em junho, durante reunião do G20, o premiê David Cameron se recusou a receber carta em que a presidente Cristina Kirchner pedia a devolução das ilhas.