Folha de S.Paulo

Análise

Política de congelamento de preços pode ser 'tiro pela culatra'

PRISCILA GODOY ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde o ano 301 depois de Cristo, governantes utilizam o congelamento de preços como uma alternativa para controlar um movimento inflacionário que não mais responde a instrumentos monetários convencionais.

Embora a ideia seja controlar um componente inercial da inflação, a estratégia pode ser um "tiro pela culatra".

Usando o exemplo brasileiro, a mesma estratégia foi adotada na segunda metade da década de 1980, quando a inflação chegava a acelerar a taxas de 20% ao mês.

A princípio, o congelamento dos preços aparentava ser uma medida eficaz. Porém, a medida não apenas falhou em desacelerar a inflação, como também gerou uma crise financeira, tornando escasso o investimento e causando a quebra de firmas de pequeno e médio porte.

Isso ocorre porque a adoção de uma política que impõe um teto aos preços acaba por diminuir o incentivo dos vendedores em repor o estoque, já que os preços passam a não se ajustar livremente de acordo com a oferta e a demanda -esmagando, desta forma, a possibilidade de se obter lucro.

Como consequência, dá-se inicio a um desabastecimento da economia, com possibilidade de estruturação de um mercado ilegal no qual os mesmos produtos são vendidos com ágio.

Adicionalmente, a medida ainda gera incerteza aos investidores (tanto internos quanto externos) em relação ao marco institucional do país -dando a impressão de que intervenções governamentais como esta podem ocorrer a qualquer momento.

Ainda, o fracasso da adoção deste tipo de medida está também vinculado a um grande custo político, uma vez que a população acaba sofrendo tanto com a falta de produtos, quanto com um eventual teto salarial, e passa a reprovar o governo.

Com a medida, a incerteza em relação à Argentina se espalha nos mercados e poderia incorrer no surgimento de uma desconfiança também em relação ao Brasil -em especial porque o recente reajuste de tarifas de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro poderia ser comparada a uma estratégia de congelamento de preços.