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New York Times

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A revolução inacabada do Egito

Cairo

Os egípcios se sentem profundamente traídos pela disparidade entre a triste realidade do seu país e o discurso oficial dos Estados Unidos. Enquanto Washington parece acreditar que o Egito está numa transição para a democracia, a violenta repressão diária a manifestantes por parte da polícia e de partidários da Irmandade Muçulmana revela que não é esse o caso.

Parece que o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, não está plenamente ciente do quanto a imagem do seu país está sofrendo no Egito.

Isso porque os EUA apoiam quem quer que esteja no poder no Cairo, a despeito da afiliação política -semissecular, como o ex-presidente Hosni Mubarak, ou politicamente islâmica, como o presidente Mohamed Mursi-, desde que aceite cooperar com certos interesses de segurança.

Antes de sua visita ao Cairo, esperava-se que Kerry respondesse às preocupações sobre a política americana para o Egito.

Em vez disso, ele se somou à Irmandade ao condenar a oposicionista Frente de Salvação Nacional (FSN) por decidir boicotar a próxima eleição parlamentar, vista por esse grupo como um processo corrupto e uma ofensiva de Mursi para dominar a política. Um tribunal suspendeu as eleições por problemas jurídicos, mergulhando o Egito em mais incerteza.

Não apoiei o boicote, mas não me surpreendi quando os líderes da FSN decidiram cancelar sua reunião com Kerry por causa da sua declaração pró-governo. A "mensagem" de Kerry foi a de que os EUA estão ávidos para assegurar a estabilidade no Egito, custe o que custar.

Mas tal estabilidade é fugidia e, em nenhum outro momento no Egito, ela esteve tão intimamente ligada ao respeito pelos direitos humanos, o que ajudou a desencadear a Primavera Árabe.

Infelizmente, os Estados Unidos têm se mantido em silêncio a respeito de muitas questões que ameaçam abalar a sociedade egípcia e empurrá-la para a instabilidade política, social e econômica.

Foi nesse contexto que conversei com Kerry -o quarto secretário de Estado dos EUA que conheci- sobre a relação entre os direitos humanos e a estabilidade no Egito.

Uma das principais fontes de instabilidade aqui tem sido a falta de confiança do povo no Judiciário. Essa desconfiança existe apesar de o Judiciário ser considerado uma das instituições de maior credibilidade no Egito.

Embora tenha sofrido ataques desde a revolução de 1952, o Judiciário resistiu e protegeu sua relativa independência. Mas, nos últimos oito meses, disse eu a Kerry, Mursi e líderes da Irmandade têm bombardeado o Judiciário com declarações de descrédito, incluindo um decreto presidencial de novembro do ano passado que limitava a autoridade dos tribunais.

Para Kerry, trata-se de uma luta entre a revolução, representada pela Irmandade, e a contrarrevolução. Os EUA experimentaram a mesma disputa pelo Judiciário após a sua própria independência, disse ele. Khomeini teve a mesma resposta em 1979 para a crítica da Anistia Internacional ao Judiciário iraniano após a sua revolução.

A brutalidade policial foi o principal gatilho da "revolução" de 25 de janeiro, há dois anos, mas as práticas policiais repressivas se intensificaram.

A sangrenta repressão cotidiana corrói não apenas a confiança da população na polícia do país, mas também a moral da polícia. Milhares de agentes de segurança entraram em greve para protestar contra as pressões do governo, para que reprimissem os manifestantes, e da opinião pública, para que demonstrassem comedimento.

Recentemente, a Procuradoria Geral divulgou um comunicado dando aos civis autoridade para prender manifestantes. A decisão -que provavelmente levará os membros da Irmandade a prenderem adversários- desrespeita o Estado de direito.

Após a "revolução", esperava-se que fosse elaborada uma lei que garantisse os direitos de grupos da sociedade civil, mas a liberdade de associação está ameaçada.

O governo de Mursi e o partido político da Irmandade apresentaram dois projetos de lei que visam restringir as atividades e o financiamento desses grupos. Se aprovados, trariam as mais repressivas leis contra a sociedade civil já vistas no Egito, forçando alguns ativistas de direitos humanos a operarem do exterior ou na clandestinidade.

O Conselho da Shura recentemente aprovou o projeto que regulamenta o trabalho das ONGs.

A recente escalada de violência e a ordem de prisão contra cinco revolucionários sob a acusação de uso das redes sociais para a incitação da violência contra a Irmandade são exemplos de como o Egito está degringolando em um Estado falido.

Nesse contexto, os US$ 250 milhões em ajuda americana que Kerry anunciou parecem avalizar as políticas repressivas.

Mursi precisa cumprir as promessas que fez antes de se eleger -que seu governo seria representativo das forças revolucionárias, que ele nomearia uma figura independente como primeiro-ministro e que garantiria um processo constitucional inclusivo.

Não vimos nada disso. Mursi precisa acabar com sua luta contra as forças da revolução. O Egito fez meramente a transição de um regime autoritário e opressivo para outro.

Continuar por esse caminho, que pisoteia os direitos humanos dos egípcios e ignora suas aspirações pela democracia, irá indubitavelmente resultar em qualquer coisa, menos na estabilidade que os EUA tanto desejam ver.


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