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Ensaio - Michael Kimmelman

Cairotas repensam funcionamento da cidade

CAIRO - Os sinais reveladores do Egito pós-revolucionário não são apenas os protestos, os estupros, os engarrafamentos e as batalhas sectárias. Há também a rampa rodoviária em Ard El Lewa.

Após a revolução, dois anos atrás, moradores da classe trabalhadora desse bairro, cansados de não terem acesso direto ao anel rodoviário, de 70 km, decidiram agir por conta própria. Construíram rampas de terra, areia e lixo. Depois convidaram a polícia a abrir um posto no trevo.

Uma construção "faça você mesmo" de infraestrutura nesta escala é incomum, mesmo no Cairo. Durante anos, o governo de Hosni Mubarak fingiu ignorar os milhões de cairotas pobres que construíam casas sem autorização em lotes particulares de terras agrícolas em lugares como Ard El Lewa. Mas o ritmo de construção irregular explodiu desde a revolução.

Lado a lado com o aumento das pichações e dos vendedores ambulantes que lotam as calçadas no centro da cidade, essa explosão pode ser o sinal de um empoderamento popular ou de uma situação de caos.

Os egípcios estão revendo suas relações uns com os outros e com a cidade que sempre ocuparam sem serem plenamente seus donos. Eles estão descobrindo como criar essa cidade para eles próprios, não apenas com tijolos e cimento, mas política e socialmente. Viver no Egito hoje significa criar novos relacionamentos com outros cidadãos e os espaços compartilhados com eles.

O arquiteto e urbanista Omar Nagati comentou: "Essa revolução teve como uma de suas origens a injustiça das condições urbanas e a divisão do espaço público. Hoje as pessoas se dão conta de que têm o direito de determinar o que acontece em suas próprias ruas e em seus próprios bairros. Por isso está sendo travada no Egito uma batalha pela posse: uma briga para decidir de quem é cada espaço e quem determina de quem é cada espaço."

O Egito não se limita à praça Tahrir, eternamente em tumulto. Recentemente, fiz uma visita a Darb al-Ahmar, onde fui informado de que havia um sentimento de revolta pública porque construtores irresponsáveis tinham demolido casas velhas de maneira ilegal para erguer prédios de apartamentos em seu lugar.

Uma colega minha, Mona El-Naggar, e eu fomos ver em primeira mão o que estava acontecendo. Encontramos Muhammad Said, rapaz de 19 anos que andava de lambreta vermelha e se ofereceu para nos mostrar o que tinha sido construído recentemente.

Ele desceu por uma viela estreita que terminava no pátio de uma casa antiga.

Said explicou que muitas famílias viviam amontoadas ali. Houve casos em que os construtores que iam demolir casas antigas ofereceram dinheiro e apartamentos novos aos moradores para que saíssem dos imóveis velhos. "Se você vivesse amontoado num quarto minúsculo e alguém lhe oferecesse algo melhor, iria recusar?", nos questionou. Era isso o que ele queria transmitir: que não era um motivo de ultraje, mas uma oportunidade.

Representantes do poder público prometem melhorias urbanas, mas defendem a eliminação de bairros clandestinos, livrando a cidade de seus pobres e construindo arranha-céus para criar uma Dubai às margens do Nilo.

Muitos cairotas que têm condições econômicas para isso vão morar em condomínios fechados. Um desses condomínios é Katameya Heights, que tem um campo de golfe, uma pequena vila comercial e sinais de casas inglesas e romanas elegantes elevando-se por trás de cercas de bougainvíllea. Desde a revolução, o valor dos imóveis nesses condomínios vem subindo. A atração desses lugares é uma vida silenciosa, calma e verde numa megalópole que não é nada disso.

Mohamed Elshahed, o jovem editor da revista on-line "Cairobserver", comentou que os protestos na praça Tahrir "apresentaram milhares de pessoas de classes sociais diferentes e de todos os bairros da cidade umas às outras. Além disso, as fizeram conheceram uma alternativa urbana à Cairo dos loteamentos suburbanos. A revolução foi em parte o fato de a cidade ter sido redescoberta a pé."

O arquiteto May al-Ibrashy concordou: "O que mudou é que antes sempre havia alguém que ditava onde você podia se sentar ou andar e o que você era autorizado a fazer ou dizer. "

Alguns egípcios veem os bairros não como favelas intermináveis, mas como cidades complexas. Eles reconhecem que o futuro do Cairo vai exigir organização de base. E paciência.

O bairro de Imbaba é feito de construções em ruas estreitas e sujas, repletas de lojas. O advogado Khaled Atef lidera aqui uma coalizão de grupos comunitários, chamados de comitês populares. Concorrentes dizem que ele é porta-voz da Irmandade Muçulmana, mas ele e seu comitê vêm conseguindo realizar coisas.

O comitê conseguiu que a Irmandade pagasse o recapeamento de uma rua intransitável, recrutou voluntários para atuar como monitores de trânsito e reprimiu pessoas que vendiam combustível de cozinha a preços extorsivos no mercado negro. A organização também promove aulas de educação política.

O arquiteto Nagati comentou: "Dois anos atrás, tínhamos sonhos maiores. Hoje estamos todos desiludidos e desmoralizados. Mas ainda há uma oportunidade de definirmos os contornos de uma nova cidade."


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