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Bilionário francês tumultua comércio de vinhos Bordeaux

Por ERIC PFANNER

PAUILLAC, França - Como é de costume há décadas, comerciantes de vinhos de todo o mundo vestiram seus paletós de tweed e rumaram para Bordeaux, no sudoeste da França, em abril, para avaliar a última safra.

Mas, neste ano, um dos principais produtos, o Château Latour, não estará disponível para a venda, como os outros vinhos de 2012. Qualquer pessoa que quiser comprar o Latour 2012 terá de esperar anos, graças à decisão do dono do "château", o bilionário francês François Pinault, de retirar o vinho da venda anual de futuros.

A medida reflete tendências mais amplas, que estão abalando a renomada indústria do vinho de Bordeaux e atiçando as tensões entre as pessoas que produzem o vinho e as que o vendem para ricos clientes de todo o mundo.

Cada lado acusa o outro de ganância. Centenas de milhões de dólares estão em jogo. "Se você disser qualquer coisa que é contra o que é feito tradicionalmente em Bordeaux, é polêmico", disse Stephen Browett, presidente da Farr Vintners, negociante de vinhos do Reino Unido especializado em Bordeaux. "Quando um dos homens mais ricos da França está pensando diferente, é duplamente polêmico."

Pinault é dono do Château Latour há duas décadas. Mas isso ainda faz dele um novato na região de Bordeaux, onde os antigos ricos franzem o cenho diante de gostos exagerados de homens como Pinault e seu filho, François-Henri, que é casado com a atriz Salma Hayek e dirige a holding da família, Artemis, que controla as marcas Gucci e Yves Saint Laurent.

Há pelo menos três séculos, dizem alguns, os vinhos de ponta da região são vendidos por intermediários locais, chamados "négociants". Os "négociants" vendem o vinho para os comerciantes, distribuidores e importadores na primavera depois da colheita, enquanto o vinho ainda está nos barris, mediante um mercado de futuros chamado "en primeur".

Em outros lugares, os produtores de vinho costumam vender diretamente para os distribuidores, importadores ou clientes particulares, sem a camada adicional dos "négociants".

Muitos donos de "châteaux" e "négociants" dizem que o sistema beneficia os dois lados. Os produtores conseguem a receita antecipada de que precisam para investir na produção da próxima safra. Já os "négociants" instigam o interesse pela nova safra. Sua atuação no mercado ajudou Bordeaux a superar seus concorrentes em novos mercados como a China, hoje o maior importador dos vinhos da região.

Em troca, os intermediários ganham até 15% do valor do vinho no atacado -nada mau quando uma garrafa de Château Latour custa cerca de 300 euros em uma safra medíocre. "O sistema de 'négociants' sobreviveu à Revolução, às duas guerras mundiais, à Grande Depressão e à filoxera", disse Patrick Bernard, diretor de uma das maiores empresas, a Millésima, referindo-se à praga de insetos que destruiu vinhedos da Europa no final do século 19 e início do 20.

"A economia de Bordeaux se baseia no 'en primeur'. Se você o romper, quebra a economia do vinho de Bordeaux."

Mas os donos de "châteaux" se queixam de que não têm recebido a parcela devida dos ganhos de um recente surto na demanda global por vinhos de alta gama. Em safras como as de 2005 e 2008, o preço de muitos vinhos duplicou ou triplicou depois das vendas iniciais. Grande parte dos lucros foi para os comerciantes.

Um número crescente de "châteaux" tem sido vendido por antigas famílias proprietárias para corporações ou para magnatas como Pinault, cuja família detém estimados US$ 15 bilhões, segundo a revista Forbes.

Esses proprietários não precisam se preocupar como vão pagar pelas rolhas, garrafas e rótulos do vinho do ano seguinte, por isso podem passar sem a receita das vendas iniciais.

Ainda que alguns "châteaux" já tenham saído do sistema tradicional, a decisão do Château Latour foi o ataque mais direto praticado até hoje. Um dos cinco vinhos considerados de primeira linha em Bordeaux -em uma classificação oficial que data de 1855-, o Latour é cobiçado como poucos outros. O Château Latour disse que guardará as safras até que as considere prontas para o consumo, então lhes dará o preço adequado.

Frédéric Engerer, diretor do Château Latour, diz que sua queixa não se refere aos intermediários ou ao dinheiro. Ele diz que o problema é que o sistema encoraja as pessoas a beber cedo demais o Latour, que se beneficia de uma década ou duas de envelhecimento.

Depois de comprar no mercado de futuros, os clientes recebem os vinhos assim que eles são engarrafados, geralmente um ano e meio depois, o que provoca a tentação de experimentá-los. Muitas garrafas de Latour também têm trocado de donos com frequência, pois os especuladores tentam fazer lucros rápidos. Assim, o vinho não é armazenado em condições ideais. "Queremos oferecer nossos vinhos a nossos clientes no melhor momento e com a melhor qualidade possível", disse Engerer por e-mail.

Para os produtores, apreçar o Bordeaux é sempre um jogo complexo com muitas variáveis: "négociants", consumidores, a qualidade da safra e a economia. Enquanto muitos donos de "châteaux" dizem que o sistema tradicional ainda tem sentido, todos observam de perto para ver como o Latour se sairá.

"As pessoas vêm dizendo há 30 anos que o sistema 'en primeur' está morto", disse o dono de um "château", sob a condição de anonimato para proteger as relações comerciais. "Mas o 'en primeur' continua valendo."


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