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Ensaio - Michael Kimmelman

Turquia debate espaço público

Istambul

Em um dia normal, a praça Taksim é uma balbúrdia de ônibus e gente e um emaranhado de espaços abertos, ruas, lojas e buzinas de táxis. O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, está determinado a limpá-la e transformá-la em uma zona para pedestres, com um novo shopping center, uma mesquita e túneis para que o tráfego flua no subsolo.

A reação indignada a isso encheu a praça, em maio, com manifestantes barulhentos, irritados e determinados, embora o governo tenha começado a desocupar a área em 11 de junho.

Depois da praça Tahrir, no Egito, e do parque Zuccotti, em Nova York, a Taksim é o mais novo símbolo da força do espaço público. A praça se tornou uma arena para visões de mundo conflitantes: a visão conservadora, impositiva e neo-otomana de um líder inflexível, que considera sua nação uma potência regional,

contra uma visão de baixo para cima, pluralista, desordenada, primariamente jovem e menos islâmica do país como uma democracia moderna. "A Taksim é onde todos expressam livremente sua felicidade, sua tristeza e suas visões políticas e sociais", disse Esin, 41, que observava o protesto na praça.

Então o espaço público, mesmo um trecho modesto e caótico como a Taksim, volta a se revelar como sendo fundamentalmente mais poderoso do que as redes sociais, que produzem comunidades virtuais. As revoluções acontecem na carne.

Na Taksim, estranhos se descobriram mutuamente com suas preocupações comuns e sua voz coletiva. A força dos corpos se juntando produziu um momento democrático e criou uma perigosa crise política para a liderança.

"Nós nos encontramos", disse o arquiteto Omer Kapinak, 41, referindo-se à diversidade reunida no parque Gezi, na extremidade norte da Taksim, onde a multidão acampou depois que o governo de Erdogan ordenou que escavadeiras abrissem espaço para o shopping.

Há um problema. O primeiro-ministro se tornou o mais forte líder da Turquia desde que Mustafa Kemal Ataturk fundou a república -mas continua não sendo um grande planejador urbano.

Ele assumiu o manto de urbanista-chefe, intrometendo-se em detalhes relativos a mesquitas gigantes, planejando uma enorme ponte e um canal e concebendo condomínios fechados. O objetivo é uma esfera pública roteirizada. A Taksim, animado coração da Istambul moderna, tornou-se a obsessão de Erdogan e talvez seu calcanhar de aquiles.

É natural. O próprio tecido urbano da Taksim -fluido, irregular e aberto- reflete a identidade histórica da área como coração da Turquia moderna e multicultural. Foi lá que imigrantes europeus pobres se instalaram no século 19. Essa foi uma área de vida noturna degradada até a década de 1980, um refúgio para gays e lésbicas, uma região de boates. Agora, é símbolo de modernidade.

A ideia do primeiro-ministro para uma grande praça para pedestres, com o tráfego enterrado, visa suavizar a praça e reconstruí-la como um parque temático neo-otomano. Erdogan ultimamente recuou da ideia de instalar um shopping na réplica de quartel otomano a ser construída onde hoje está o Gezi. Mas ele pretende demolir um bairro pobre perto dali, chamado Tarlabasi, para construir condomínios de luxo.

Outro dos seus projetos prevê um higiênico "desfilódromo" na periferia sul da cidade, destinado a concentrações populares, como que para colocar os protestos sob quarentena: a anti-Taksim.

A verdadeira Taksim é uma desordenada área pública no meio da cidade.

Erdogan já demoliu um adorado cinema e uma velha loja que vendia pudim de chocolate na avenida Istiklal (Independência), principal rua e espinha dorsal do bairro no acesso à Taksim.

Por isso, muitos turcos não se surpreenderam com o fato de o parque Gezi ser a gota d'água.

"O espaço público equivale a uma identidade urbana e cosmopolita", disse Gokhan Karakus, arquiteto. "É exatamente disso que o primeiro-ministro não gosta. O povo turco que ocupou o parque Gezi no protesto sente que ele realmente lhe pertence."

Perto da estátua de Ataturk, no meio da praça Taksim, agora adornada por bandeiras e cartazes dos manifestantes, estava uma estudante de fotografia que se identificou como Kader, 24, do norte da Turquia. "Vim dar um tempo aqui porque tem todo tipo de gente e é divertido", disse.

Enquanto ela falava, um casal turco de braços dados, a mulher com lenço na cabeça, passava por lá. "O primeiro-ministro está tratando o lugar como sua propriedade privada", fez questão de deixar claro Kader.

O plano de Erdogan para retirar ônibus e táxis e instalar uma vasta zona única de pedestres na Taksim, privada assim da sua energia áspera e imprevisível e transformada em uma polida área comercial, irá acabar com a vitalidade pedestre da praça, em vez de torná-la mais atraente para os pedestres.

No parque Gezi, um letreiro cita antigos versos do poeta turco Nazim Hikmet:

"Sou uma nogueira no parque Gulhane

Nem você está ciente disso nem a polícia"

O arquiteto Kapinak me disse que a ameaça da intervenção de Erdogan na Taksim, "pela primeira vez, ajudou a derrubar as paredes do medo em se opor a um Estado autocrático".

No entanto, as tensões crescem rapidamente.

O conflito pelo espaço público sempre tem a ver com controle versus liberdade, segregação versus dignidade. O que está em jogo é mais do que uma praça. É a alma de uma nação.


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