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New York Times

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"Mogli" ganha versão para os palcos

Por ROB WEINERT-KENDT

CHICAGO - Músicos com sitar, vina, tabla e violino carnático acompanhavam um sexteto de jazz na execução de músicas de sonoridade dixieland (estilo de jazz tradicional) de "I Wanna Be Like You" e o ensolarado swing de "The Bare Necessities". O sax e o sitar trocavam solos improvisados, e a tabla se unia à bateria para encontrar novos grooves.

Essa "jam session" entre músicos indianos e de jazz tocando velhos temas da Disney era um ensaio para a montagem de "Mogli: O Menino Lobo", que está sendo produzida por Mary Zimmerman no teatro Goodman, em Chicago, em conjunto com a Huntington Theater Company, de Boston.

Richard Sherman, um dos autores da trilha do longa-metragem de animação de 1967, olhava enquanto os músicos tocavam, mexendo nas letras, intrometendo-se para dar conselhos musicais ou cantando junto.

Não é a primeira vez que a Disney confia um adorado musical de animação a um diretor visionário cuja grande ideia é inspirar-se esteticamente na localização remota da história, nesse caso a Índia. Isso também serve para descrever a vencedora aposta da Disney em 1997 com Julie Taymor e os elementos africanos que ela incorporou à montagem teatral de "O Rei Leão".

Mas a Disney não está produzindo esse musical, embora tenha concedido apoio financeiro e oferecido a Zimmerman pleno acesso ao roteiro e partituras do filme. Para que a Broadway venha a fazer parte da vida dessa montagem, é preciso que as plateias aceitem o mundo estilizado que Zimmerman está criando.

O espetáculo, que estreou oficialmente no dia 1° de julho, já foi prorrogado até 11 de agosto. Mas o trabalho esteve longe de ser tranquilo. Zimmerman instilou algumas influências indianas no espetáculo, inspirando-se na ambientação dos contos de Rudyard Kipling em "O Livro da Selva", que foram a base do filme. Mas, numa recente entrevista, ela pareceu rejeitar as preocupações sobre as atitudes coloniais de Kipling e sobre a percepção comum de que há uma conotação racial no fato de a Disney colocar um orangotango como cantor de jazz.

Jamil Khoury, diretor artístico da companhia Silk Road Rising, de Chicago, que produz obras de escritores do Oriente Médio e do sul da Ásia, escreveu uma inflamada postagem em um blog acusando Zimmerman de fazer carreira em cima do "orientalismo" e da apropriação cultural.

Zimmerman tinha em mente o papel de Kipling como o mais proeminente defensor do Império Britânico -e um certo mal-estar com aquele macaco cantor- quando se debruçou sobre "O Livro da Selva". Ela estabeleceu sua reputação com adaptações de obras literárias como "Metamorfoses" e "As Mil e Uma Noites", e pretendia se basear fortemente nos contos de Kipling, mas viu que a música a puxava na direção contrária.

"Uma vez que você se compromete a usar as músicas do filme, elas funcionam como uma rede de arrasto: elas trazem a trama, o personagem e, o mais importante, o tom", disse Zimmerman. "No início, achei que iria usar bem mais o Kipling, mas o tom dele é tão diferente do filme que não haveria integridade para fazer uma versão sombria, sangrenta e vingativa das coisas."

A trama gira em torno de Mogli, menino órfão criado por lobos e cuidado na pré-adolescência por Baguera, uma sagaz pantera, e Balu, um simpático urso, em meio às ameaças de predadores.

O que pudesse ser ameaçador recebeu o toque da Disney.

"Walt nos disse: 'Onde houver uma coisa assustadora, vire-a de cabeça para baixo e a deixe divertida'", lembra-se Sherman, 85. Assim, abutres cantam num quarteto vocal com sotaque dos Beatles, e um trecho da trama em que macacos sequestram Mogli é acompanhado por "I Wanna Be Like You", um tema cheio de improvisações vocais.

"Estávamos pensando em Louis Armstrong ao escrevê-lo. Foi daí que tiramos o nome, Rei Louie", disse Sherman. "Aí, um dia, numa reunião, disseram: 'Vocês percebem o que a [entidade pró-negros] NAACP faria se colocássemos um homem negro como macaco? Iriam dizer que estamos tirando um sarro dele." "Eu disse: 'Ora, do que você está falando? Eu adoro Louis Armstrong'."

Mas, para alguns espectadores, a percepção de racismo grudou no filme. A escolha do polímata afro-americano Andre De Shields para o papel de Rei Louie no teatro pode complicar as coisas ou então transcender as questões raciais do papel. De Shields naturalmente prefere a segunda opção. "Sempre disse que parte da minha missão como artista é um ministério para detonar os estereótipos."

Kipling, nascido na Índia, foi mandado de navio aos seis anos para uma pensão na Inglaterra.

"Ele perdeu aquele paraíso basicamente com a mesma idade que Mogli tinha", disse Zimmerman. "Não sou apologista da política tóxica de Kipling, mas ele é uma figura muito complicada, com uma ferida grande e velha que esses livros estão compensando."


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