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New York Times

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Egito assiste a recuo democrático

Londres

Quando é que um golpe não é um golpe? Parece que quando dezenas de milhões de egípcios o apoiam e escolhem retratá-lo como parte de uma revolução em andamento, a qual havia sido traída pelo presidente deposto, Mohamed Mursi, e pela Irmandade Muçulmana.

Quem dera fosse tão simples. Soldados escoltando um presidente livremente eleito para fora do seu gabinete estão fazendo aquilo que os militares fazem quando dão um golpe e interrompem o processo democrático em nome dos supostos interesses da nação. "Acho que foi um golpe. Não consigo definir de nenhuma outra forma", disse Maha Azzam, pesquisador-associado da entidade londrina de pesquisas Chatham House. "Como outros golpes na história, esse teve muito apoio."

O Egito é uma sociedade dividida. Está rachado entre islamistas e secularistas, entre conservadores e liberais e entre os partidários de modelos autoritários e democráticos. De um lado, representando aquilo que é às vezes chamado de "o Estado profundo", estão o Exército, um Judiciário politizado, o Ministério do Interior e os serviços de segurança, todos criados e treinados numa visceral desconfiança em relação aos movimentos islâmicos.

De outro lado, estão todas as correntes políticas do islã, cuja voz mais poderosa, mas não solitária, é a Irmandade Muçulmana. No meio disso, misturados, liberais e novos movimentos juvenis disputam posições sem se organizar em partidos políticos. O grande desafio da transição política da nação tem sido encontrar um caminho, após décadas de ditadura, para reunir todas essas forças sob um teto democrático e convencê-las a abrir mão do confronto nas ruas em prol da política: a queda de braço, a negociação e as concessões.

Por enquanto, o processo está abortado. Um precedente terrível foi estabelecido. O governo provisório, patrocinado pelos militares, apresentou um ágil cronograma para a revisão constitucional e as novas eleições. Mas cronogramas sozinhos não vão curar nada.

A Irmandade e o seu Partido Liberdade e Justiça, que ainda representam uma grande parcela da sociedade egípcia, não têm nenhum interesse óbvio em participar de um processo democrático que pareça aceitar alguns vencedores, mas não outros.

A Primavera Árabe não significará nada se não encontrar uma acomodação com o islã político.

O banimento da Irmandade e de movimentos similares sob vários ditadores apoiados pelo Ocidente só serviu para alimentar as chamas do radicalismo islâmico -um processo pelo qual o Ocidente já pagou caro. Da intervenção militar de 1991 na Argélia, que abortou uma eleição em que os islamitas estavam prestes a assumir o poder, à turbulência no Egito atual, as sociedade do Oriente Médio têm tido dificuldades para serem inclusivas em todo o espectro ideológico.

Só na Turquia, apesar dos recentes protestos, e após vários golpes, um partido político de inspiração islâmica comandou um período de desenvolvimento sustentado. A estabilidade foi conquistada por meio da abertura. Só quando o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan descambou para o autoritarismo, marcado pela tentativa de impor suas crenças islâmicas ao comportamento dos turcos (e à imprensa), um pequeno parque produziu uma revolta.

Mursi, no poder durante apenas um ano, fracassou porque foi em primeiro lugar um islamita. Ele pareceu incapaz de superar a cultura conspiratória e fechada da Irmandade, desenvolvida ao longo de anos de supressão. Ele impôs uma Constituição partidária. Falou em gabinete de consenso, mas não o criou. Colocou apaniguados onde pôde. Viu inimigos em todo lugar. Essa foi de fato uma traição à ampla rebelião que depôs Hosni Mubarak. Por isso tantos milhões de egípcios saíram às ruas para exigir sua revolução de volta.

Mas é claro que o Exército havia sido um pilar do regime de Mubarak. Ele tem enormes interesses, que busca defender. Enquanto ele se enxergar como árbitro da política nacional, a democracia egípcia será natimorta. Mursi não estava inteiramente alucinado quando viu inimigos em todo lugar. Muitos egípcios liberais adotaram para si o objetivo nada liberal de depô-lo por qualquer meio, em vez de procurarem se envolver no toma-lá-dá-cá de um novo sistema político.

"O Egito poderia ter sido um bom exemplo em se tratando do islã político", disse Azzam. Uma importante oportunidade se perdeu. Em outros lugares, a experiência de abraçar uma democracia comandada por um partido islâmico prossegue.

Se a Irmandade voltar a ser escorraçada da política egípcia, a nova ordem se parecerá com a velha. O pior cenário seria um modelo paquistanês. O melhor agora é provavelmente o turco, em que os militares recuaram da proeminência política nos últimos dez a 20 anos. Isso é menos do que se esperava quando Mubarak caiu, mas o sangue nas ruas do Cairo já esvaziou aquele sonho.

Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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