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New York Times

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EUA descobrem fraude artística de US$ 80 mi

Por Sarah Maslin Nir, Patricia Cohen e William K. Rashbaum

NOVA YORK - Os vizinhos de Pei-Shen Qian na região do Queens, em Nova York, sabiam que ele ganhava a vida como artista: era frequente que ele secasse suas pinturas ao sol, apoiando-as na lateral da sua modesta casa.

O que os vizinhos não sabiam ao certo era por que ele mantinha as janelas cobertas ou por que, de vez em quando, um homem chegava à casa dele num carro caro levando pinturas para o pintor, em vez de sair de lá com elas.

Parte do mistério foi esclarecido recentemente, quando os vizinhos souberam que Qian, um pacato imigrante chinês de 73 anos, sempre metido em um avental respingado de tinta, era suspeito de ter enganado o mundo artístico ao criar dezenas de obras copiando o estilo de mestres modernistas americanos, as quais eram depois vendidas como sendo originais por um valor que superou US$ 80 milhões.

Qian, que chegou nos EUA há mais de quatro décadas e sofreu para vender suas próprias obras, ganhava apenas alguns milhares de dólares por cada imitação.

Nova York era um centro do mundo artístico.

"Ele estava meio que frustrado por causa do problema da língua e o problema da conexão", disse o aclamado artista chinês Zhang Hongtu, que mora em Nova York e é amigo de Qian.

A discrição de Qian como pintor acabou. As autoridades federais concluíram que ele era o artista cujas falsificações estavam no coração de uma das mais ousadas fraudes artísticas da memória recente.

Glafira Rosales, uma marchand apontada como agenciadora de suas obras, está sendo processada na Justiça Federal dos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e evasão tributária.

A denúncia criminal não cita Qian, mas pessoas com conhecimento do caso confirmaram que ele era o homem citado apenas elipticamente nas acusações como sendo o "Pintor". Vizinhos dizem que agentes do Departamento Federal de Investigações (FBI) realizaram buscas na casa dele.

De acordo com documentos judiciais, Qian foi descoberto vendendo sua arte nas ruas do Lower Manhattan, no começo da década de 1990, pelo namorado e sócio de Rosales, um marchand chamado José Carlos Bergantiños Diaz, que recrutou Qian para fazer pinturas no estilo dos expressionistas abstratos.

Durante 15 anos, dizem os documentos judiciais, o pintor, trabalhando na sua garagem e no seu ateliê doméstico, produziu pelo menos 63 desenhos e pinturas que continham as assinaturas de gigantes artísticos como Jackson Pollock, Barnett Newman, Robert Motherwell e Richard Diebenkorn, os quais Bergantiños Diaz e Rosales ofereciam como se fossem autênticos. Não eram cópias de pinturas -eram obras vendidas como se fossem de autoria desses artistas e tivessem sido "recém-descobertas".

Rosales vendeu ou consignou as obras a dois marchands da elite de Manhattan, a Knoedler & Company -que foi a mais antiga galeria da cidade até fechar, em 2011- e um ex-funcionário da Knoedler chamado Julian Weissman, que por sua vez venderam as telas por milhões de dólares a clientes que depositaram sua fé na reputação dos marchands.

Weissman, a Knoedler e Ann Freedman, ex-presidente da empresa, dizem repetidamente que sempre acreditaram na autenticidade das obras. Até agora, Rosales é a única pessoa a enfrentar acusações judiciais pelo caso.

Qian cresceu na cidade insular de Zhushan e em Xangai, segundo uma entrevista a uma TV chinesa em 2004. No final da década de 1970, já com mais de 30 anos, Qian participou de um ousado movimento de arte experimental em Xangai, quando a Revolução Cultural estava terminando.

A arte abstrata era considerada um símbolo de decadência burguesa, mas Qian e seus colegas organizaram sua própria exposição extraoficial com obras que empregavam formas abstracionistas.

Em 1981, Qian chegou a Nova York, onde ele e seu amigo Zhang frequentaram aulas juntos na Liga dos Estudantes de Arte. Embora tivessem perdido contato por cerca de duas décadas, Zhang disse que Qian, alguns anos mais velho, o ajudou a se orientar numa cidade opressiva.

"Ele me contou como ganhar a vida aqui", disse Zhang.

Qian é representado por uma galeria na China. Mas, nos últimos anos, segundo seus vizinhos, ele falava com frequência da sua insatisfação com sua carreira nos Estados Unidos.

"Quando ele estava por cima na China ele se sentia como um 'rock star'", disse Mary Ann Gardiner, vizinha de Qian.

"Não sabia que ele tinha essa técnica tão boa", disse Zhang.

Richard Grant, diretor-executivo da Fundação Diebenkorn, afirmou que "quem fez isso foi extremamente talentoso".

O esquema começou a desabar em 2009, quando dúvidas acerca da autenticidade de alguns Motherwells foram parar no FBI. Ações judiciais movidas por compradores indignados solicitam que os marchands lhes reembolsem milhões de dólares.

Quanto a Qian, sua surrada moradia estava vazia recentemente. Ele e sua mulher foram embora repentinamente, meses atrás, segundo os vizinhos. Embora isso não fosse incomum -ele passava cerca de metade do ano na China-, desta vez pareceu ser diferente. No quintal onde outrora Qian pintava meticulosamente, havia gatos e jornais espalhados. Pela janela da garagem, eram visíveis, empilhados,os esticadores de telas, feitos de madeira.

Em quase todas as janelas do sobrado, compensados de madeira ou papéis escuros bloqueavam a entrada da luz.

Colaboraram Alain Delaquérière e Mei-Yu Liu


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