Folha de S.Paulo

Ensaio

Picada de aranha castiga explorador

Estou deitado com os dentes cerrados e as mãos agarrando as laterais de um leito de hospital. Estranhos de avental branco enchem o quarto. Ondas de dor sobem do abdômen para o peito, enquanto o veneno percorre meu corpo, em direção ao coração. Uma droga antiveneno experimental seria injetada em minha corrente sanguínea.

Como explorador profissional, tive sorte com cobras e fui ousado com ursos. Tive alguns encontros tensos com peixes-escorpiões. Acontece que a coisa que finalmente me derrubaria estava morando na minha própria varanda.

A forma graciosa da viúva-negra e o desenho de ampulheta vermelha fizeram dela a aranha mais conhecida dos Estados Unidos. Elas são surpreendentemente tímidas e recatadas. As pessoas passam por centenas delas durante suas vidas, sem sequer perceber.

Cada uma contém veneno suficiente para derrubar um boxeador peso-pesado por vários dias. Os dois sexos carregam o mesmo veneno, mas as fêmeas têm uma quantidade maior e suas presas podem injetá-lo mais profundamente.

Mas em todo o mundo apenas algumas pessoas morrem por ano de picadas dessas aranhas. O perímetro de minha casa na Virgínia abrigava uma aldeia de viúvas-negras. Interessado em conhecê-las melhor, eu às vezes capturava uma dúzia em um único dia.

Em uma tarde de primavera, decidi ir pescar. Na varanda onde apanhei tantas viúvas-negras, mantinha um par de galochas e artigos de pesca. Coloquei-os no carro e dirigi até meu local favorito.

Calcei os sapatos. Depois de dar uma dúzia de passos, tive uma sensação dolorosa e percebi o que devia ter acontecido: uma viúva-negra tinha feito sua casa no meu sapato.

Algumas pessoas são mais afetadas pelo veneno que outras. A maioria dos adultos sente muita dor e se recupera sozinha, mas outros ficam incapacitados e até morrem. Em que grupo eu me encaixaria?

Decidi esperar e descobrir antes de dirigir. Mergulhei o pé na água fria e resolvi passar o tempo pescando. Três bagres depois, os sintomas progrediram. Senti um calor na barriga, que se tornou em pressão e depois, cãibras. Rumei para o hospital da Universidade da Virgínia em Charlottesville.

Minha pesquisa havia me ensinado que, embora exista um antiveneno, poucos pacientes realmente o recebem.

O remédio pouco mudou desde 1895, quando foi descoberto pelo francê Albert Calmette. Ao injetar veneno de aranha ou de cobra em um cavalo, Calmette provocava uma picada, fazendo o corpo produzir o antiveneno. O sangue era retirado do cavalo e a substância podia ser isolada e armazenada para uso posterior.

Apesar de o antiveneno ter salvo muitas vidas, ele tem um perigo próprio. Alguns pacientes têm alergia fatal às proteínas de cavalos. Por isso, o remédio só é aplicado quando a vítima parece estar quase morrendo; a maioria dos pacientes deve suportar os efeitos do veneno, o que pode durar dias.

Naquela noite, residentes e estudantes de medicina me olhavam: poucos tinham visto um paciente de viúva-negra. O doutor Christopher Holstege, um toxicologista tranquilo, me propôs testar um novo antiveneno.

A droga, chamada Analatro, era feita com carneiros e continha menos impurezas a que o corpo poderia reagir. Parecia promissor, mas eu não poderia tomar analgésicos, que mascaram os efeitos da droga, e os efeitos colaterais não eram bem conhecidos. Ainda assim, não podia deixar de ser um voluntário.

Meus bíceps tinham cãibras. Eu tremia e me contorcia. À meia-noite, o pessoal estava silencioso quando a substância foi injetada. Um fluxo quente maravilhoso se espalhou do meu braço para o peito, e depois meu abdômen.

Poderão ser necessários anos de estudo para que o Analatro fique pronto, mas ele poderá mudar completamente o tratamento de picadas de viúva-negra. Em vez de fazer os pacientes esperarem dias com dor para evitar uma reação alérgica, eles poderão ser dispensados em poucas horas.

Quando cheguei em casa, despenquei na cama. Na tarde seguinte, fui saltitando até a cozinha para fazer café. Ali, no chão, vi uma pequena aranha marrom. Coloquei um vidro sobre ela e capturei um excelente espécime viúva-negra macho. Tirei uma série de fotos e então ela encontrou seu fim.