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New York Times

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Médicos denunciaram de antemão armas químicas na Síria

Por SHERYL GAY STOLBERG e ANNE BARNARD

WASHINGTON - Meses antes de um ataque com armas químicas matar centenas de sírios e provocar ameaças de um ataque militar americano, um anestesista chamado Majid ouviu uma explosão perto de sua casa em um subúrbio de Damasco.

Ele correu até o hospital improvisado onde trabalha e encontrou pacientes com a pele irritada, os olhos ardendo e sem conseguir respirar.

Majid, que só deu seu primeiro nome, coletou amostras de cabelo e urina, roupas, folhas de árvores, terra e até um pássaro morto. Ele as compartilhou com a Sociedade Médica Sírio-Americana, grupo humanitário que vinha entregando essas amostras para autoridades da inteligência dos Estados Unidos como provas de possíveis ataques químicos.

Inspetores da ONU deram os primeiros passos para destruir o arsenal químico da Síria. Mas, enquanto o governo Obama reivindica o crédito por forçar o ditador Bashar al-Assad a entregar seu arsenal, alguns especialistas dizem que o verdadeiro crédito é dos médicos que arriscaram suas vidas -e enfrentaram questões de ética médica- para denunciar o uso de armas químicas.

A guerra civil na Síria tem sido especialmente perigosa para os profissionais de saúde. Um relatório da ONU descreveu "ataques a hospitais, pessoal e transportes médicos".

Segundo estimativas diversas, mais de cem médicos foram mortos e até 600 estão presos.

Mais da metade dos hospitais públicos foi danificada e 37% estão fora de serviço, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Muitos médicos fugiram. Os que ficaram dizem que o atendimento básico muitas vezes não está disponível.

A guerra química -que culminou com o ataque de gás sarin em agosto que matou centenas de sírios- tornou a situação ainda mais complexa, colocando questões sobre se e como denunciar.

O grupo humanitário Médicos Sem Fronteiras (MSF) está operando em seis hospitais improvisados no norte controlado pelos rebeldes, sem permissão do governo Assad.

Em janeiro, ele também começou secretamente a oferecer aconselhamento técnico, equipamentos e remédios para hospitais e clínicas em regiões controladas pelo governo.

Em 21 de agosto, o grupo recebeu notícias de alguns hospitais "parceiros silenciosos" sobre uma enxurrada de pacientes com "sintomas neurotóxicos" -aproximadamente 3.600 em três horas, incluindo 355 que morreram. Seus líderes logo debateram como lidar com a informação, disse Sophie Delaunay, diretora-executiva de operações da Médicos Sem Fronteiras nos Estados Unidos.

Eles sabiam que qualquer declaração pública poderia colocar em risco o grupo de médicos e seus parceiros sírios, expondo-os a acusações de aliança com os rebeldes. Além disso, a organização temia que os governos ocidentais usassem sua palavra como base para um ataque militar.

O grupo emitiu uma declaração cuidadosamente redigida, pedindo uma investigação independente, dizendo que a MSF não podia confirmar a causa dos sintomas ou estabelecer quem era responsável.

Pouco depois, porém, o governo Obama começou a citar as conclusões do grupo como justificativa para a intervenção militar.

Uma autoridade do Departamento de Estado, falando no anonimato para discutir a tomada de decisão, disse que os americanos vêm reunindo informações e que o trabalho de grupos humanitários forneceu "apenas mais um indício". Mas J. Stephen Morrison, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse que Delaunay e seus colegas "merecem enorme crédito" por forçar a colocação da questão na agenda internacional.

"Foi muito arriscado e uma decisão difícil. As coisas poderiam ter ficado feias para eles", disse.

O debate sobre se os médicos devem denunciar abusos aos direitos humanos é uma antiga fonte de debate, segundo Len Rubenstein, especialista em direitos humanos e ética médica na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland. Enquanto a MSF tem uma cultura de "prestar testemunho", disse, nem todas as organizações humanitárias o fazem.

Na Síria, o governo e grupos de oposição tentam controlar as evidências contra o outro. As alegações conflitantes tornaram crucial a coleta de amostras físicas. Mas a MSF não participou, disse Delaunay.

Em vez disso, os médicos sírios reuniram amostras sob a orientação de grupos estrangeiros.

A explosão que enviou Majid para o hospital na última primavera ocorreu no meio da noite. Depois, ele disse que pôde retirar amostras de duas pessoas.

Isso foi em 25 de abril. Horas depois, o secretário de Estado, John F. Kerry, e o secretário da Defesa, Chuck Hagel, disseram pela primeira vez que a comunidade de inteligência tinha evidências de que o governo sírio havia usado armas químicas.


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