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Inteligência/Pola Oloixarac

O tempo corre para a eterna Cristina

Buenos Aires

Após uma década à vista do público, o protagonismo de Cristina Fernández de Kirchner como diva da Argentina começou a se apagar. Com a derrota do seu partido em distritos importantes na eleição parlamentar de outubro, seu sonho de uma reeleição em 2015 para um terceiro mandato presidencial -a "Cristina Eterna", como dizem seus acólitos- chega ao fim. Mas ela não irá embora sem brigar.

Depois do mau desempenho da aliança Frente para a Vitória nas eleições primárias de agosto, Cristina se lançou à tarefa de recapturar o imaginário público, embora seu governo tenha sido inundado por más notícias: a inflação está extraoficialmente em 20% a 25%, a dívida pública está crescendo -enquanto as reservas do Banco Central caem- e uma crescente insatisfação levou à criação de facções dentro do seu partido, que até agora se comportava bem sob o chicote de "la Señora".

Cristina precisava sacudir as cinzas do seu romance com o povo, que há apenas dois anos a havia recompensado com 54% dos votos na eleição presidencial.

Ela concedeu uma rara entrevista a um jornalista-celebridade, um barão dos tabloides marrons. Perdeu nove quilos. Trocou as saias por leggings pretos, modernizando o uniforme de viúva que adotou depois da morte do seu marido, Néstor, em 2010. Memes na internet mostrando Cristina como a Mulher-Gato circularam nas redes sociais.

De repente, a retomada foi congelada. Seu rosto de óculos foi visto, pela primeira vez sem maquiagem, em um carro escuro, entrando em um hospital. Era como se a pop-star do movimento estivesse ingressando na reabilitação.

Cristina precisou passar no começo de outubro por uma cirurgia na cabeça para a remoção de um coágulo, que teria sido causado por uma queda. As circunstâncias do acidente permaneceram misteriosas, mas os médicos lhe recomendaram 30 dias de repouso. Sem ela na liderança, seus candidatos pareceram à deriva.

A campanha foi cercada de escândalos. Uma câmera oculta mostrou um candidato ao Congresso, Juan Cabandié, tentando se livrar de uma multa de trânsito com a alegação de ser filho de desaparecidos (ou seja, das vítimas da ditadura de 1976-83, ressuscitadas como bispo da moral no conselho da virtude de Cristina). Uma agente de trânsito de 22 anos perdeu o emprego, mas foi recontratada diante da indignação popular. O episódio expôs uma casta política abusiva.

Zelosa do seu legado político, Cristina teve o cuidado de adiar a escolha do seu delfim. Ela passou por cima de candidatos importantes, como Daniel Scioli, governador da poderosa província de Buenos Aires, cujo estoicismo diante das humilhações que ele sofre sob os caprichos dela o transforma em um possível sucessor governista em 2015.

Quanto ao vice de Cristina, Amado Boudou, escândalos de corrupção fizeram dele uma "persona non grata". Boudou vai diariamente ao palácio presidencial, a Casa Rosada, mas Cristina não o ouve mais. "A única coisa que ele consegue dirigir é uma moto", disse o parlamentar Felipe Solá, referindo-se ao hobby do presidente interino. Solá é parte da facção da "renovação" peronista, alinhada a Sergio Massa, ex-chefe de gabinete da presidente e político em ascensão, que promete adotar uma abordagem econômica simpática aos mercados. Massa foi o queridinho da recente eleição, obtendo cerca de 44% dos votos.

A Argentina recentemente negociou um empréstimo de US$ 3 bilhões do Banco Mundial, o que daria algum respiro para o governo de Cristina.

"Sob tais condições de inflação, sem um plano anti-inflacionário e com reservas tão baixas, será um milagre se ela chegar a 2015", disse Pablo Schiaffino, economista radicado em Buenos Aires. "É como um carro que fica sem gasolina."

Quando foi eleita pela primeira vez, Cristina disse ao país: "Merecemos uma nova história para nós". Ela cumpriu isso. Desde 2008, ela tece um enredo dramático, repleto de vilões, eminências pardas e poderes corporativos buscando destroná-la. De maneira pós-modernista, a narrativa se libertou dos fatos: recentemente, após um acidente de trem na estação Once, o governo anunciou que iria assumir as ferrovias. O partido peronista as havia nacionalizado na década de 1940, e voltou a privatizá-las nos anos 1990. A posição do partido oscila para a esquerda e a direita, mas os vagões dos trens são os mesmos que na década de 1940.

Cristina aspira a entrar para a história como a maior reformista da Argentina, e algumas das leis aprovadas no seu governo amparam essa tese, incluindo o Benefício Universal por Filho (uma ajuda financeira a famílias pobres), leis para o casamento gay e aumento das verbas para a pesquisa científica e a educação universitária.

Ela poderia tentar se posicionar como a líder que nunca cortou os gastos com bem-estar social e se impulsionar para um glorioso retorno em 2019, tornando-se o ícone populista do país no século 21 e ofuscando Evita Perón.

Mas o relógio econômico está correndo. Se Cristina conseguir sustentar por mais dois anos o inchaço nos gastos públicos, vai garantir a glória -e deixará ao seu substituto a preocupação de pagar as contas.


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