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Ópera combate maré crescente de antissemitismo na Hungria

Por RACHEL DONADIO

BUDAPESTE - Ivan Fischer é mais conhecido como um regente de primeira classe, cuja Orquestra Festival de Budapeste fascinou plateias em todo o mundo. Agora Fischer compôs uma ópera em reação ao crescimento do antissemitismo na Hungria.

A ópera de Fischer, "The Red Heifer" [A Novilha Vermelha], baseia-se em um caso infame do século 19 em que um grupo de judeus foi erroneamente acusado pela morte de uma jovem camponesa húngara. A ópera, que estreou em meados de outubro, é um exemplo de como figuras culturais estão se revelando críticas veementes da tendência autoritária e direitista da Hungria sob o primeiro-ministro Viktor Orban.

Em uma época em que a tradicional oposição política de esquerda é prejudicada por escândalos de corrupção e pelo passado comunista, Fischer faz parte de um grupo crescente de artistas que contestam um governo que põe em risco os ideais da União Europeia. Entre outros, estão o pianista Andras Schiff e o conhecido diretor de teatro Robert Alfoldi, que foi ridicularizado por políticos de direita por ser homossexual.

As tensões na Hungria surgem no momento em que vários partidos de direita estão em ascensão na Europa e figuras culturais de todo o continente começam a reagir. Muitos países que faziam parte da União Soviética também se sentem divididos entre o Ocidente e as tendências nacionalistas profundamente enraizadas.

Mas em poucos lugares as personalidades culturais assumem uma opinião tão forte no debate quanto na Hungria. Desde que chegou ao poder em 2010, o governo de Orban alterou a Constituição para limitar o poder do Judiciário e restringir a liberdade de imprensa, segundo grupos de direitos civis. Ainda mais perturbador é que o partido de extrema direita Jobbik controla cerca de 12% do Parlamento, com uma plataforma nacionalista, antissemita e anti-imigrante impensável na maior parte da Europa.

"A Novilha Vermelha" usa uma orquestra completa e uma banda cigana, com referências a músicas de Klezmer ao rap e a Mozart.

No palco, uma novilha vermelha de papel machê pisa no pé da garota camponesa. Outra cena apresenta uma dança folclórica animada pelo mesmo grupo que mais tarde se transforma em torcedores de futebol soprando cornetas, acenando bandeiras húngaras e pedindo vingança contra os judeus. Depois disso, o estadista húngaro do século 19 Lajos Kossuth surge do passado, cantando em um baixo-barítono profundo: "Estou envergonhado com a agitação antissemita. Como húngaro, arrependo-me dela, como patriota, a desprezo".

Fischer disse que, há muito tempo, queria escrever uma ópera baseada nesse caso, mas foi a ascensão do Jobbik que o incentivou. "No último ano ou dois me veio a ideia, e pensei: agora tenho de escrevê-la", disse.

"A cultura não deveria se interessar pela política cotidiana", explicou Fischer. "Queremos ser válidos no ano que vem e no seguinte. Mas eu acho que a cultura tem uma grande responsabilidade de encontrar a essência, a verdade real e oculta, que há por trás do cotidiano."

Hoje Orban corteja sutilmente os eleitores da extrema direita, esperando preservar sua maioria nas eleições marcadas para a próxima primavera. Tornou-se um discurso público aceitável culpar os judeus pelos problemas econômicos do país.

No ano passado, Imre Kertesz, o romancista húngaro premiado com o Nobel, disse que a democracia nunca criou raízes reais na Hungria. No mesmo ano, o renomado pianista Andras Schiff instigou o debate quando disse que não porá os pés em sua Hungria natal enquanto Orban estiver no poder.

Fischer, que é judeu, disse que não se sente da mesma maneira. Ainda assim, ele mudou sua família para Berlim e faz a ponte aérea para continuar participando do debate na Hungria.

A ascensão da extrema direita também ocorre em meio a um significativo renascimento judaico na Hungria depois da queda do Muro de Berlim. Neste mês, o vice-primeiro-ministro disse no Parlamento que os húngaros devem aceitar a responsabilidade pelo Holocausto. No ano que vem, a Hungria pretende aplicar milhões de dólares em programas comemorativos do 70° aniversário da deportação dos judeus húngaros.

Fischer disse que aprova essas medidas, mas desejaria que o governo fosse além, "isolando-se de tudo o que a extrema direita faz".

A Hungria tem uma sociedade civil participativa. Desde 2011, milhares de pessoas foram às ruas em protesto contra as mudanças na Constituição feitas pelo governo e sua nova lei de mídia. Jornalistas e analistas dizem que as mudanças não sufocaram a livre expressão, mas são uma ameaça. Depois da apresentação de estreia de "A Novilha Vermelha", membros da plateia discutiram seu impacto.

"Se 700 ou 800 pessoas virem essa ópera, ela não terá efeito", disse Josef Janos. Uma amiga, Katalin Patkos, emendou: "Não deveríamos ser tão pessimistas. É uma contribuição. Quanto à eficácia da contribuição, não é problema de Fischer".


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