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Inteligência/Robert Kuttner
Como algemar uma superpotência
O Partido Democrata, do presidente Barack Obama, pode muito bem perder o controle de ambas as casas do Congresso nas eleições de novembro.
Se for assim, sua administração ficará enfraquecida na condução das políticas econômica e externa. Sua realização mais marcante, a lei de reforma da saúde, também ficaria em risco.
Vários fatores estão em ação aqui. O partido de um presidente em seu segundo mandato geralmente perde cadeiras no Congresso em seu sexto ano.
A essa altura, os eleitores normalmente estão procurando uma mudança. No século passado, só o presidente Bill Clinton escapou desse destino, em 1998.
A economia estava forte, e os republicanos exageraram tanto em seu afã de submetê-lo ao impeachment que os democratas se beneficiaram de uma reação de solidariedade. Desta vez, a recuperação é lenta, e a aprovação de Obama está abaixo de 50%.
As pesquisas mostram que os grupos que tendem a favorecer os democratas, como os eleitores mais jovens, negros, hispânicos e mulheres solteiras, estão desanimados e menos inclinados a votar neste ano do que grupos que apoiam os republicanos. Algo semelhante aconteceu na eleição parlamentar de 2010.
Naquele ano, os republicanos assumiram o controle da Câmara dos Deputados, usando esse poder para bloquear muitas das iniciativas de Obama.
Os últimos quatro anos foram um período de impasse sobre o orçamento, a dívida pública, a reforma financeira, a regulamentação ambiental, os esforços para aumentar o salário mínimo -na verdade, sobre a maioria dos programas que Obama e os democratas apoiam.
O controle do Senado também permitira aos republicanos bloquear nomeações feitas pelo presidente, tratados internacionais e acordos comerciais.
Complicando as coisas para os democratas, há um mal-estar dos eleitores com a Lei do Atendimento Médico Acessível.
A lei, conhecida popularmente como Obamacare, exige que os americanos tenham seguro-saúde fornecido pelo empregador ou pelo governo, ou então que adquiram planos de saúde privados, aprovados pelo governo, num mercado aberto.
Cidadãos de baixa renda podem obter subsídios do governo; em alguns Estados eles podem se qualificar para um programa separado, chamado Medicaid.
Se isso parece confuso, é porque é mesmo. Para aprovar qualquer legislação de saúde no Congresso, Obama precisou fazer um projeto de lei aceitável para poderosos grupos de interesse, e essas cessões fizeram com que o programa se tornasse uma confusão ineficiente.
A enorme complexidade do sistema levou a um lançamento profundamente falho do site no qual as pessoas deveriam se inscrever. Depois de vários e dolorosos meses, a maior parte da página está funcionando.
O governo finalmente ultrapassou sua meta inicial de 7 milhões de americanos com novos seguros. Mas um dano político substancial já foi feito.
Além dos problemas técnicos, o Executivo optou por financiar a cobertura de saúde ampliada projetando uma economia não especificada no Medicare, o popular programa de seguro direto do governo para idosos.
A manobra permitiu aos republicanos dizer que o programa é bancado à custa dos idosos.
Eleitores mais velhos, que dependem da previdência social, tradicionalmente apoiam os democratas. Desde 2009, eles têm favorecido os republicanos.
Além disso, a lei especifica benefícios mínimos para que um seguro privado seja aceito. Muitos eleitores que já tinham plano de saúde estão, com ou sem razão, culpando a reforma por aumentos nas contas.
Se os republicanos assumirem o controle do Senado, não está claro como os dois anos de impasse partidário afetarão a eleição presidencial de 2016. Normalmente, essa paralisia prejudica o partido do presidente.
Mas, se os republicanos controlarem o Congresso, eles poderão dividir a culpa, abrindo caminho para um sucessor democrata.
Com os republicanos fortemente divididos entre a sua ala corporativa e o Tea Party, de extrema-direita, os democratas tendem a se unir em torno da candidatura de Hillary Clinton.
A elite empresarial republicana favorece moderados como o ex-governador da Flórida Jeb Bush, que poderia atrair alguns eleitores democratas. Mas Bush é detestado pela base do Tea Party, que tende a dominar as eleições primárias republicanas.
Enquanto isso, uma presidência americana enfraquecida seria ruim para um mundo assolado por uma economia ainda frágil, pela intensificação dos desafios climáticos e por ameaças à paz.
Dentre elas, uma Rússia novamente agressiva na periferia da Europa e um governo chinês ansioso por exercer seu domínio sobre mares disputados na Ásia.
Do início da Guerra Fria até o 11 de Setembro, o partidarismo feroz que marca a política americana geralmente "parou na beira da água". Mas a atual capacidade destrutiva partidária parece não conhecer limites.
Obama é muito popular no exterior, em parte por ter reconhecido que os Estados Unidos não podem fazer tudo. Mesmo assim, a paz e a prosperidade vão sofrer se o presidente americano ficar impedido de realizar muita coisa por causa de uma oposição hostil.