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New York Times

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Inteligência/Pola Oloixarac

'Não vai ter Copa'

Brasília

"Desculpe, Neymar, mas nesta Copa eu não torço por vocês" -eis uma música inesperada de se ouvir num país louco por futebol, prestes a receber o maior torneio esportivo do mundo.

Neymar é o atual deus do futebol brasileiro, o time da casa é um dos favoritos para ganhar a próxima Copa do Mundo, e seus cinco títulos superam o que qualquer outro país já conseguiu.

No estilo cáustico que caracterizava a MPB durante a ditadura, essa letra de Edu Krieger reflete o amplo descontentamento que antecede à partida inaugural, daqui a menos de dois meses.

"Não vai ter Copa" é o grito de guerra dos manifestantes, que estão regularmente nas ruas desde junho do ano passado.

Hoje, é mais provável que os brasileiros se envolvam com protestos contra a corrupção generalizada e o desperdício de dinheiro público do que com a renovação das rivalidades internacionais que ocorre a cada quatro anos.

Bilhões de reais em verbas públicas estão sendo gastos em estádios que dificilmente serão usados depois da Copa, enquanto o governo negligencia investimentos, como uma nova linha de trem em São Paulo.

"No Carnaval, todos os blocos explodiam com o 'Não Vai Ter Copa'. Foi o melô do Carnaval", disse o escritor e cineasta João Paulo Cuenca, 35, que mora no Rio.

O clima que acompanha o torneio desta vez é amargo. "A cada Copa do Mundo, o Rio fica cheio de ruas pintadas, competindo entre si. Agora, é como se a Copa não existisse."

O futebol é o mais forte vínculo da vida brasileira, então não surpreende que a Copa do Mundo tenha virado um catalisador para a expressão de insatisfações.

Os sinais de corrupção abundam: enormes estouros orçamentários nos projetos dos 12 estádios para o Mundial, escassas melhorias da infraestrutura e serviços públicos ruins. Em um país sem uma forte tradição de engajamento político, as pessoas podem não acompanhar o noticiário, mas todo mundo lê os cadernos esportivos.

Lá elas ficam sabendo, por exemplo, que o Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, que foi demolido e reconstruído, custa 17 vezes do que a estimativa da Fifa, entidade que organiza a Copa do Mundo.

Há relatos de que o teto do estádio ainda tem goteiras, e que o governo está desviando dinheiro de outros projetos para tentar resolver o problema.

Como é ano de eleição, a Copa representa um holofote voltado sobre o Partido dos Trabalhadores, no poder há 12 anos.

Após dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e quatro anos da sua protegida Dilma Rousseff, o Brasil se tornou a oitava maior economia do mundo.

A possibilidade de exibir suntuosos novos projetos para um público internacional foi uma das razões que levaram o Brasil a cortejar o torneio; realizar uma Copa do Mundo bem sucedida é um teste no qual o PT está desesperado para ser aprovado.

O aumento das expectativas populares representa outro desafio para o partido. Os programas sociais promovidos por Lula transformaram 40 milhões de brasileiros pobres em consumidores, a chamada "nova classe C", que, junto com a classe média tradicional, está reivindicando melhorias na saúde e educação.

Mas o Rio se tornou uma das cidades mais caras do mundo, e os brasileiros médios sentem que pagam demais por muito pouco. Há a sensação de que a Copa não é para eles. "Copa para quem?" é outro lema dos protestos.

A Copa do Mundo também coincide com o 50°. aniversário do golpe de Estado de 1964, um tema delicado para Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura. Os excessos daquele passado militar ecoam nas medidas de pacificação que antecedem a Copa em bairros pobres.

O que começou como um esforço para erradicar quadrilhas de traficantes nas favelas se tornou uma força de ocupação repressiva, apoiada por tanques. Milhares de famílias foram despejadas.

O jornalista Bruno Torturra, 35, de São Paulo, fundou a Mídia Ninja, organização dedicada a cobrir protestos e a violência ignorada pela maior parte da imprensa, tanto a policial como a das quadrilhas.

"As pessoas se lembram do dia em que o Exército confiscou nossos direitos em 1964, e nesse mesmo dia [em 2014] forças nacionais invadiram o Complexo da Maré e brutalizaram os pobres. Agora, as pessoas estão sendo literalmente torturadas e mortas".

Vídeos de tanques passando entre crianças nos becos e de meninas sendo derrubadas a chutes por policiais militares circulam nas redes sociais sob a "hashtag" #NaoVaiTerCopa. Há temores de que a repressão irá se agravar.

A Fifa pressiona o governo a aprovar a chamada "Lei da Copa", permitindo que qualquer manifestante seja tratado como terrorista e preso sem julgamento.

Essa abordagem autoritária copia outros governos latino-americanos, intensificando as preocupações a respeito das liberdades individuais.

Uma lei que criminaliza os protestos está sendo cogitada na Argentina, e na Venezuela as manifestações da oposição são marcadas pela brutalidade policial e pela prisão de estudantes sob a acusação de terrorismo.

Os líderes esquerdistas de hoje mostram uma alarmante disposição para adotar as técnicas brutais da velha direita.

Quando os protestos começaram, Rousseff, que disputa a reeleição em outubro, observou que eles eram um sinal de um Brasil que mudou; hoje em dia, as pessoas acham que merecem mais.

Numa bravata típica da América Latina, Rousseff recorreu à máxima manobra populista: ela sabe que, se o Brasil ganhar a Copa, tudo será esquecido. No final, tudo depende de Neymar e da torcida brasileira.


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