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New York Times

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Fome castiga Sudão do Sul

Por ISMA'IL KUSHKUSH

WAU SHILUK, Sudão do Sul - Todos os anos, no início da estação das chuvas, Nyaaker Onwar, 34, plantava sorgo e legumes, enquanto seu marido e seu filho mais velho cuidavam das vacas e pescavam peixes no rio Nilo Branco.

Neste ano as coisas foram diferentes. Em fevereiro, homens armados roubaram as vacas da família, incendiaram seu barco de pesca e sequestraram alguns de seus parentes. Onwar fugiu com seu marido e sete filhos, caminhando na lama e debaixo de chuva até o vilarejo de Wau Shiluk. Ela está aqui há semanas com milhares de pessoas deslocadas pela guerra civil no Sudão do Sul. "Tivemos que vender nossas roupas para comprar comida."

Cinco meses de guerra no Sudão do Sul deixaram milhares de mortos e mais de 1 milhão de pessoas deslocadas. Mas essa tragédia pode ser apenas o começo. "Existe o risco de fome generalizada e de grandes proporções", disse Hilde Johnson, chefe da missão das Nações Unidas no Sudão do Sul.

A guerra civil explodiu em dezembro entre soldados leais ao presidente Salva Kiir e os soldados seguidores de seu antigo vice, Riek Machar. O conflito não demorou a assumir uma dimensão étnica, opondo os dois maiores grupos do Sudão do Sul, os dinkas e os nuers. O presidente Kiir é dinka. Riek Machar é nuer.

A estação do plantio foi conturbada, criando grandes receios quanto à próxima safra. Os pescadores não estão podendo pescar nos rios. Cabeças de gado foram perdidas. Um surto de cólera surgiu na capital, Juba, e ameaça outras partes do país.

Aqui em Wau Shiluk, no Estado do Alto Nilo, a desnutrição está em alta, ao lado de outras doenças causadas pela falta de alimentos e água potável. Funcionários humanitários e residentes em fuga dizem que alguns deslocados passavam tanta fome que estavam comendo folhas e capim.

Numa clínica operada em Wau Shiluk pela organização Médicos Sem Fronteiras, mães exaustas faziam fila com seus filhos pequenos e emaciados. Quando médicos voluntários mediram o filho de seis meses de idade de Nyakeer Onwar, a seta da fita métrica foi parar na zona vermelha, indicando desnutrição aguda.

"Quando estive aqui no ano passado, eu recebia dez casos de crianças desnutridas por semana", comentou Mitsuyoshi Morita, da Médicos Sem Fronteiras. "Hoje, recebemos centenas por semana."

Ayob Duath tem quatro anos, mas aparenta muito menos. Incrivelmente magro e obviamente enfraquecido, ficou sentado no chão de terra, trajando shorts vermelhos, parado como uma estátua, tirando os movimentos lentos que fazia com a mão esquerda para afastar moscas de seu rosto. "Ele está muito doente desde que a guerra começou", falou sua mãe, Angelina Folo, 20, entre lágrimas.

A conselho dos médicos, Onwar levou seu filho a uma lancha para descer o rio até o hospital mais próximo, também operado pela Médicos Sem Fronteiras. Ali, médicos lhe deram leite por uma sonda nasal.

O hospital é, na realidade, uma grande tenda montada dentro de uma base das Nações Unidas na cidade de Malakal. Milhares de deslocados hoje vivem ali, enquanto a própria Malakal, a segunda maior urbe do Sudão do Sul, virou uma cidade-fantasma. Após várias batalhas por seu controle, quase todos seus moradores a deixaram.

"Ninguém nas áreas de conflito está fazendo o que deveria estar fazendo neste momento", comentou Sue Lautze, da ONU, "preparando a terra, levando o gado para pastar e pescando."

O trabalho de levar assistência às pessoas necessitadas também enfrenta desafios. Com a estação das chuvas em curso, as estradas do Sudão do Sul, em sua maioria de terra, tornam-se intransitáveis, isolando grandes contingentes de pessoas. As barcaças que transitam pelos rios já foram alvos de disparos.

"A única outra maneira de acessar essas áreas é jogar alimentos para elas desde o ar", disse Mike Sackett, do Programa Mundial de Alimentos, "e isso custa sete vezes mais." E há os saques. Armazéns de alimentos das Nações Unidas em Malakal foram saqueados neste ano.

Em 20 de maio, na capital norueguesa, Oslo, doadores internacionais prometeram mais de US$ 600 milhões para evitar a fome no Sudão do Sul. Os EUA estão contribuindo até US$ 50 milhões.

Mas, dada a escala da crise, mesmo que os doadores cumpram sua meta e ajam com presteza, pode ser tarde demais para alguns sudaneses do sul.

"Não é uma questão de se pessoas vão morrer de fome, mas de quantas pessoas vão morrer", falou Sackett.


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