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New York Times

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Peça revira mente de um torturador

Por ROSLYN SULCAS

LONDRES - Em 1997, na recém-democratizada África do Sul, uma psicóloga negra conheceu um presidiário branco na Prisão Central de Pretória. Pumla Gobodo-Madikizela tinha acabado de voltar ao país, para ajudar na Comissão da Verdade e Reconciliação, após terminar seu doutorado na Universidade Harvard.

O homem que ela conheceu era Eugene de Kock, ex-policial apelidado de "Prime Evil", que tinha liderado uma unidade antiterrorismo secreta dedicada à tortura e ao assassinato de ativistas antiapartheid.

Por que ela queria falar com ele? Por que ele concordou em recebê-la? O que aconteceu quando eles estavam frente a frente?

Esses são temas confrontados em "A Human Being Died That Night" [um ser humano morreu naquela noite], peça de Nicholas Wright baseada no livro de Gobodo-Madikizela. Em cartaz no Hampstead Theater, em Londres, a obra retoma as conversas que Gobodo-Madikizela e De Kock tiveram ao longo de cinco anos, dando vida a uma parte recente da história sul-africana que ainda permanece coberta de mistério.

Eric Abraham, produtor da peça, é ex-jornalista e ativista sul-africano que foi alvo da unidade liderada por De Kock. Suas reportagens sobre as condições dos negros em seu país e sobre as atrocidades da polícia levaram à sua prisão domiciliar em 1976, quando ele tinha apenas 22 anos. Ele depois descobriu que foi seu pai, oficial da Marinha sul-africana, quem havia denunciado suas atividades às autoridades.

Abraham fugiu para Botsuana e depois seguiu para Londres, onde se tornou produtor de cinema e televisão. Sua produção "Kolya, uma Lição de Amor" ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1997.

Abraham fundou na Cidade do Cabo o Fugard Theater, que leva o nome do dramaturgo sul-africano Athol Fugard e está localizado no Distrito 6, famoso pelos despejos forçados de cerca de 60 mil residentes mestiços nos anos 1960.

O produtor tomou conhecimento do livro de Gobodo-Madikizela em 2007 e pediu que Wright, nascido na África do Sul, o adaptasse para uma obra de teatro. "Senti que estava esperando por algo assim há muito tempo", disse Wright.

Depois de uma temporada experimental de duas semanas em Londres no ano passado, "A Human Being..." foi para o teatro Fugard, em março, e depois para o Market Theater, em Johannesburgo, antes de retornar a Londres.

A peça descreve a conexão cautelosa desenvolvida entre Gobodo-Madikizela e De Kock à medida que ela o questiona sobre as atrocidades que provocaram suas duas sentenças à prisão perpétua e mais 212 anos por "crimes contra a humanidade".

Lentamente, entra em temas mais complicados como intenção, culpa e perdão. No mês passado, o Tribunal Superior de Pretória determinou que o ministro da Justiça da África do Sul considere a liberdade condicional para De Kock.

As críticas à peça têm sido positivas: "Levantando questões complexas e dolorosas sobre responsabilidade e reconciliação, a obra é imperdível", disse Paul Taylor em artigo no "Independent".

Quando estavam na África do Sul, os dois atores da peça -Noma Dumezweni e Matthew Marsh- visitaram De Kock na Prisão Central de Pretória. "A tese de Pumla, seu olhar sobre perdão e redenção, é muito importante. Minha opinião sobre o poder da peça foi reforçada ao conhecer Eugene de Kock", disse Marsh.

Abraham disse que não houve reconciliação de conto de fadas com seu próprio passado. "Como os exilados ao redor do mundo que foram obrigados a sair sob circunstâncias traumáticas e nunca vislumbram retornar, acredito que minha conexão com a África do Sul e com minha família foi fatalmente rompida. Permanece rompida e assim será para sempre."


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