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New York Times

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Ensaio/Alissa J. Rubin

Guerra influi na arte de todas as eras

LENS, França - As cenas de pesadelo surgem uma após outra: três mulheres, seminuas, estendidas no chão, aparentemente estupradas; o corpo nu de um homem decapitado pendurado no galho de uma árvore, sua cabeça presa em um galho menor; outro homem puxa uma mulher pelas pernas.

Poderia ser material de um site radical islâmico ou documentação para um relatório sobre direitos humanos, mas essas imagens são raras águas-fortes e gravuras feitas há mais de 200 anos por Francisco Goya, um testemunho comovente da barbaridade que os seres humanos infligem uns aos outros. Como alguém que cobriu guerras de perto por 14 anos, achei as imagens uma revelação.

Testemunhei conflitos no Iraque e no Afeganistão, bem como a guerra e suas consequências nos Bálcãs, e ainda assim todas as vezes achava que a destruição intencional da vida e da esperança era algo difícil de suportar, as imagens ficavam na memória.

Havia o homem cujo corpo foi queimado por uma bomba a ponto de ficar quase preto ao sul de Bagdá, em 2004, e deixou de ser reconhecível como humano.

E há os raros momentos de sobrevivência, o heroísmo em pequena escala, o bebê nascido nas montanhas de Sinjar, no oeste do Iraque, sua mãe dando à luz num carro e depois o carregando por dias até um lugar seguro.

Quando um grupo de pessoas decide matar outro, é um horror ao mesmo tempo específico e universal. As obras de Goya e quase 450 outras, de 200 artistas, são parte de uma exposição no Louvre-Lens, uma ramificação do museu parisiense no norte da França, aberta até 6 de outubro.

"Os Desastres da Guerra, 1800-2014", cujo nome alude a uma série de Goya, traça a evolução de cenas de guerra desde as representações do século 18, louvando guerreiros e batalhas, até as representações cada vez mais realistas das perdas assustadoras na guerra, nos séculos 19 e 20.

A exposição levanta muitas das mesmas questões com as quais se deparam todos os dias as pessoas que contam a história da guerra, sejam artistas ou jornalistas.

A violência e o sangue são as coisas mais importantes a retratar, ou é o momento de dor que vem depois? Qual é o meio mais verdadeiro de mostrar o custo da vitória e a dor da derrota? Quanto da nossa compreensão da guerra é mediada e definida por aqueles que a interpretam para nós?

Laurence Bertrand Dorléac, a curadora da exposição, posicionou o trabalho de Goya perto do início, em parte porque o espanhol "captou todos os horrores das guerras, passadas, presentes e futuras", disse ela, e "fez isso com tanta eficiência que se tornou um modelo para artistas que se empenharam depois em descrever as consequências da guerra".

Artistas do início do século 19 ainda se concentravam no lado heroico. O retrato de Napoleão feito por Jacques-Louis David o apresenta como um herói-guerreiro, montado em um cavalo branco que se ergue sobre as patas traseiras.

Apenas 15 anos depois, uma litografia de Théodore Géricault intitulada "O Retorno da Rússia" apresenta outra face do legado de Bonaparte.

Mostra dois homens feridos, um deles num cavalo, a cabeça enfaixada e os olhos cobertos, como se tivesse ficado cego, enquanto o segundo homem caminha num passo arrastado, ambos exaustos e alquebrados.

Entre os trabalhos mais assombrosos estão os do britânico Henry Moore, que usou caneta, tinta e aquarela para retratar os londrinos em 1940-41, abrigados no metrô durante os ataques alemães. Ele foi contratado por essa época pelo governo britânico como artista oficial da guerra.

Na época da Segunda Guerra Mundial, a fotografia já se tornara a forma dominante. Uma foto de George Rodger, de um menino judeu-holandês de sete anos ao lado de corpos de adultos no campo de concentração de Bergen-Belsen, cinco dias depois da liberação, é uma imagem de tirar o fôlego, tanto da carnificina como da sobrevivência.

Há também fotos do Vietnã, da guerra para acabar com a colonização da França na Argélia, da guerra em Biafra, e muitas mais.

Reunidas, essas obras deixam claro que certas imagens de conflito são recorrentes. Em uma rua parisiense, os corpos estirados da luta na Comuna de Paris, de 1870, ecoam a imagem de Goya de corpos recolhidos por um homem em um carrinho de mão.

O vocabulário de guerra, em imagens ou palavras, precisa ser reinventado a cada geração de artistas na busca por descrever as consequências dos conflitos.

Mas, como demonstra essa exposição, os artistas de hoje não estão sós. Seus antecessores lhes deram um meio de ver, e de transformar em algo com significado, até mesmo o mais niilista dos momentos históricos.


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