Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

New York Times

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Polônia desenterra passado cruel

Por RICK LYMAN

BIALYSTOK, Polônia - Zbigniew Kulikowski estava na beira de um buraco lamacento observando os trabalhadores escovarem cuidadosamente a terra dos ossos amarelados de vários esqueletos. Em pouco mais de um ano, mais de 280 corpos - de vítimas anônimas dos nazistas, dos soviéticos ou da polícia secreta polonesa- foram retirados de valas comuns atrás desta prisão centenária. De repente, um trabalhador saiu correndo. Mais vestígios, disse ele, acabavam de ser descobertos no jardim dos fundos de um prédio residencial vizinho, construído em terreno que pertencera à prisão.

"Essas valas comuns são de campos de extermínio", disse Kulikowski, promotor público encarregado do caso.

O passado sombrio está logo abaixo da superfície na Polônia, onde Exércitos e ideologias conflitantes deixaram para trás um catálogo de atrocidades no século 20 que a atual sociedade polonesa, aberta e democrática, ainda está descobrindo e tentando entender. Corpos dessas vítimas têm sido descobertos em todo o país, inclusive em outros locais em Bialystok, mas nada supera os números e o nível de crueldade que os investigadores estão descobrindo aqui hoje.

A exumação dos corpos no Centro de Detenção de Bialystok -construído pelo czar russo em 1912 e ainda em funcionamento, com 680 prisioneiros cumprindo pena- pode revelar tanto aspectos do presente quanto do passado da Polônia. Os mortos encontrados aqui podem ser vítimas de guerra dos soviéticos ou dos nazistas, como também das próprias forças de segurança da Polônia na época comunista.

Neste momento em que ideologias extremistas estão em ascensão em muitos países da Europa, há temores de que partidos de extrema-direita na Polônia possam querer usar os corpos recém-descobertos para instigar emoções nacionalistas.

Líderes da extrema-direita já falam sobre os soldados "esquecidos". Segundo eles, esses guerrilheiros anticomunistas foram apagados da memória nacional devido à ânsia da Polônia pela prosperidade do livre mercado.

Para outros poloneses, há uma tendência a não querer examinar profundamente o que aconteceu. As descobertas têm atraído pouca atenção desde que o primeiro corpo foi exumado, em julho de 2013.

Marcin Zwolski, historiador no Instituto da Memória Nacional da Polônia cujos dez anos de pesquisa levaram à descoberta, disse que ele e outros que estavam investigando essas mortes atrozes inicialmente receberam ameaças anônimas. Até tijolos foram arremessados contra suas janelas. Por ora, há relutância em se debruçar demais sobre o que aconteceu.

"As pessoas também se preocupam com o que pode ser revelado sobre suas próprias famílias ou seus vizinhos", comentou.

Em uma cerca ao redor do campo lamacento há uma placa anunciando "Área de Investigação. Entrada Proibida". Os investigadores contam apenas com uma pequena estrutura de madeira como apoio, a qual era usada antigamente como centro recreativo pelos guardas da prisão.

"Minha função é descobrir o sexo, a idade, a altura, enfim, qualquer coisa que esclareça como era cada pessoa e como ela morreu", disse a antropóloga Ivana Teul.

Ela entrega resquícios de material genético para Andrzej Ossowski, o geneticista da equipe. Ele insere as informações em uma base de dados nacional das vítimas de violência e as compara com amostras retiradas de pessoas que perderam parentes na guerra. "Até agora já confirmamos a identidade de 40 pessoas", disse Ossowski.

Zwolski passou uma década estudando os arquivos secretos da inteligência militar polonesa, documentos de tribunais e diários mantidos por funcionários da prisão. As matanças começaram em setembro de 1939, quando os soviéticos ocuparam o leste da Polônia. Mais de cem pessoas foram para a prisão e desapareceram.

Entre 1941 e 1944, os nazistas entraram em cena, e houve uma intensificação de assassinatos. "Sabemos que 6.000 pessoas morreram na área de Bialystok, geralmente executadas e enterradas na floresta", afirmou Zwolski. A maioria dos judeus da região foi morta dessa maneira ou enviada para os campos de extermínio.

Há menos informações disponíveis sobre os assassinatos no pós-guerra. "Infelizmente, talvez nunca possamos determinar o número exato de vítimas."

Em meados dos anos 1950, os assassinatos passaram a ser cometidos no porão da administração da prisão, talvez porque os novos apartamentos em prédios altos ao redor tivessem vista para o jardim do centro de detenção.

"As coisas se davam da seguinte maneira", relatou o major Wojciech Januszewski, que trabalha há 20 anos na prisão. "Os prisioneiros eram trazidos por esse pátio até o edifício da administração e então levados para o porão. Um carro chegava aqui trazendo agentes de segurança vestidos com sobretudos pretos. Eles deixavam o carro ligado, entravam no porão, atiravam na cabeça dos prisioneiros e saíam por aquele portão."

Em 1956, após uma mudança nas políticas soviéticas, os assassinatos cessaram. Kulikowski observava a grande quantidade de terra que ainda precisa ser vasculhada. "Este lugar é como um museu de guerra e de todos os absurdos resultantes", disse. "Há perpetradores que matavam e depois foram mortos, em uma sucessão de ideologias malignas."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página