Folha de S.Paulo

Mulher de Hitchcock ganha atenção

Por JOHN ANDERSON

Foi Alma Reville quem realmente terminou de matar Janet Leigh na cena do chuveiro em "Psicose".

"Eles estavam vendo um corte do filme", contou o ator e produtor Norman Lloyd, referindo-se a Reville e ao marido dela, o diretor Alfred Hitchcock. "E a Alma disse: 'Janet Leigh engoliu uma vez depois que já estava morta no banheiro'. Era um fotograma. Ninguém notou, exceto Alma."

Hitchcock, que morreu em 1980, está recebendo muita atenção neste ano. Sua obra-prima "Um Corpo Que Cai" (1958) tomou o lugar de "Cidadão Kane" como o maior filme de todos os tempos na influente pesquisa da revista britânica "Sight & Sound".

Dois novos longas-metragens -"Hitchcock", que examina a construção de "Psicose", e o telefilme "The Girl", que examina a desconstrução da atriz Tippi Hedren- têm em seu centro o divertido, azedo e rotundo Hitchcock.

Mas é Alma Reville quem finalmente está recebendo uma tardia atenção do público.

Ela teve um papel indispensável na criação dos filmes do marido, como consultora das tramas, editora de roteiro e continuísta. Ela era sua confidente mais próxima, sua aliada mais confiável.

Agora, interpretada por duas atrizes famosas (Helen Mirren e Imelda Staunton), ela está sendo tirada de trás da cortina.

Quando se conheceram em Berlim, na Alemanha, na década de 1920, Reville era uma estrela em ascensão no estúdio UFA, e Hitchcock um aspirante a diretor de arte para cinema.

"Ela merece 100% do reconhecimento que está tendo", afirmou Mary Stone, filha de Patricia Hitchcock, a filha única do casal. Alma morreu em 1982.

Stone disse que a família não foi consultada sobre "The Girl". O filme retrata Hitchcock como um sádico predador sexual, atormentando Hedren durante a realização de "Os Pássaros" (1963).

A família sabia de "Hitchcock", disse ela, mas preferiu não se envolver.

Mirren interpreta Alma como uma mulher que vai perdendo a paciência com a notória obsessão do seu marido por loiras.

"Ela era uma mulher pequenininha, menos de um metro e meio, mas deve ter tido uma personalidade incrível", disse Mirren.

"E era bastante intimidadora, pelo que eu li."

Mirren se familiarizou com sua personagem por meio de "Alma Hitchcock: The Woman Behind the Man" [Alma Hitchcock: a mulher por trás do homem], biografia escrita por Patricia Hitchcock, 84, com a colaboração de Laurent Bouzereau. De acordo com Hedren e com "The Girl", baseado em uma obra de Donald Spoto, Reville sabia dos supostos abusos do marido contra a atriz e optou por ignorá-los. Staunton revela uma mulher que era vítima e facilitadora.

Mas Lloyd, 98, que atuou em "Quando Fala o Coração" e "Sabotador" e dirigiu duas séries de TV de Hitchcock, disse que "facilitadora" é a palavra errada. "Ela observava tudo e dizia 'sim' ou 'não' a Hitch segundo a capacidade da pessoa. Ele ouvia tudo o que ela dizia."

Mirren concordou. "Ele [Hitchcock] estava criando uma marca, e, incidentalmente, Alma reconheceu isso. O sucesso daquela marca lhes rendeu muito dinheiro e lhes permitiu desfrutar de um estilo de vida caro."

"Hitchcock", com Anthony Hopkins no papel-título, mostra esse estilo de vida e os riscos financeiros que o cineasta assumiu em "Psicose". Seu diretor, Sasha Gervasi, disse que o filme se baseia em elementos reais, inclusive a contribuição de Reville para a obra de Hitchcock.

Hitchcock não queria usar a música de Bernard Herrmann naquela famosa cena do chuveiro, disse Gervasi.

"Mas Alma insistiu. E a música só foi incluída por causa da absoluta confiança que ele tinha nela."

Ele acrescentou que Alma "desempenhou um papel crucial não só naquela cena, mas na história do cinema".

Seu instinto pela coisa certa está entretecido à obra de Hitchcock, disse ele, mas ela não estava interessada na fama. "Ela só queria tornar os filmes dele um pouco maiores."