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New York Times

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Com "O Hobbit", Nova Zelândia funde cinema e turismo

Por MICHAEL CIEPLY e BROOKS BARNES

WELLINGTON, Nova Zelândia - No gabinete do primeiro-ministro John Key há uma espada dada pelo presidente dos EUA, Barack Obama. Ela foi usada, disse Key, por Frodo Baggins na trilogia "O Senhor dos Anéis" e serve para lembrar que, na Nova Zelândia, o negócio de gerir um país anda de mãos dadas com o negócio de fazer filmes.

O governo de Key empenha-se em vincular o destino dos 4,4 milhões de neozelandeses a alguns dos maiores filmes de Hollywood.

Quando "O Hobbit: Uma Jornada Inesperada", primeira parte de uma trilogia de Peter Jackson, estava prestes a ter sua estreia mundial em Wellington, em 28 de novembro, havia por todo lado sinais da integração do filme com a vida "kiwi" -da réplica gigante de Gollum no Aeroporto de Wellington às lojas de presentes que se ampliaram para atender à esperada demanda por mercadorias hobbits.

Mas o caminho até esse momento foi repleto de controvérsias. Há dois anos, quando uma disputa com sindicatos ameaçou a série "O Hobbit" -pondo em risco milhares de empregos e um verba de cerca de US$ 500 milhões da Warner Brothers-, Key convenceu o Parlamento a reescrever as leis trabalhistas.

O governo aceitou ceder US$ 99 milhões em custos de produção e acrescentou US$ 10 milhões ao orçamento de marketing do estúdio. Neste ano, o departamento de turismo do Estado vai gastar cerca de US$ 8 milhões (e provavelmente uma quantia ainda maior no futuro) numa campanha que promove o país como uma terra da fantasia, aberta para o cinema.

Para muitos na Nova Zelândia, onde planos para cortar US$ 35 milhões do orçamento educacional neste ano provocaram indignação nacional, foi difícil aceitar as concessões à produção de "O Hobbit", especialmente porque o país já havia oferecido cerca de US$ 150 milhões em apoio aos filmes da série "O Senhor dos Anéis".

Recentemente, o governo foi acusado de receber dicas da poderosa indústria cinematográfica americana sobre como lidar com um pedido de extradição para os EUA de Kim Schmitz, vulgo Kim Dotcom, empresário acusado de pirataria. Key é duramente criticado por sua proximidade com Jackson, que também é neozelandês.

Phil Darkins, vice-presidente da entidade Actors Equity da Nova Zelândia, disse que o seu país é "a única democracia ocidental do planeta onde artistas profissionais não têm virtualmente nenhum direito".

Ele também fez objeções às mudanças na lei de imigração para que profissionais cinematográficos estrangeiros possam trabalhar por breves períodos no país sem o aval de associações trabalhistas locais.

O Partido Trabalhista, da oposição, embora concorde com o apoio estatal à indústria cinematográfica, queixou-se de concessões que considerou serem "específicas para a Warner Brothers".

A realização de longas-metragens e programas de televisão gerou apenas cerca de US$ 1,1 bilhão para a Nova Zelândia no ano passado, bem menos de 1% do PIB, que é cerca de US$ 160 bilhões. Cerca de 17% do faturamento de cinema e de TV é diretamente subsidiado pelo governo local, que gastou quase US$ 200 milhões para patrocinar filmes no ano passado.

Mas o setor turístico é 20 vezes maior do que o do audiovisual. Enquanto outros países, especialmente a China, avançam sobre o importante setor neozelandês dos laticínios, os "kiwis" estão focados em receber visitantes.

Buscando soluções para a crise com os sindicatos por causa de "O Hobbit", em 2010, Key, que também é ministro do Turismo, resolveu usar grande parte do orçamento dessa área para relançar a marca da Nova Zelândia como a Terra Média, na esperança de atrair visitantes para as locações dos filmes de Jackson.

Mas não há garantia de que os espectadores abraçarão a série "O Hobbit" com o mesmo fervor dedicado à trilogia dos "Anéis", que acumulou uma bilheteria global de US$ 3 bilhões.

Restam ainda outras dúvidas, como a natureza caprichosa da atividade cinematográfica, que rapidamente migra para o governo que oferecer melhores incentivos.

As taxas de câmbio desempenham um papel considerável nessa disputa.

O câmbio favorável foi um dos motivos pelos quais Jackson e seus sócios conseguiram transformar a Nova Zelândia em um polo dos efeitos especiais e do trabalho de pós-produção.

"Avatar", "Os Vingadores", "As Aventuras de Tintin" e "Prometeu" estão entre os muitos filmes que passaram pela oficina de efeitos de Jackson em Wellington, a Weta Digital.

No entanto, recentemente, uma valorização do dólar neozelandês corroeu a vantagem financeira para as empresas de outros países. A Irlanda do Norte agora diz que é "a nova Nova Zelândia", e a Sérvia intitula-se "uma Nova Zelândia mais barata", observa Gisella Carr, executiva-chefe da Film New Zealand, que corre o mundo atrás de produções.

Hollywood olha também para a China, onde o governo está construindo caras instalações cinematográficas e oferecendo acesso a um vasto mercado em troca de participações em filmes de estúdios americanos.

A Nova Zelândia tem o idioma a seu favor, já que os técnicos falam inglês. Mas, para Key e outros, o principal desafio continua firmemente ligado a Jackson: como você constrói um setor econômico significativo e duradouro a partir de um negócio local dominado por um homem?

"Não se pode basear uma indústria em uma só pessoa", afirmou Key. "Essa é uma estratégia empresarial muito vulnerável."

Cineastas de filmes de baixo orçamento dizem que a prioridade dada a grandes produções como as de Jackson os afeta.

Em Auckland, onde já houve uma cultura de filmes independentes, Jackson é acidamente chamado de "Sir Peter", enfatizando a honraria que ele recebeu em 2010.

Jackson, 51, discorda da noção de que a indústria cinematográfica neozelandesa repouse inteiramente sobre os seus ombros.

"Se eu começar a pensar assim minha cabeça vai explodir", disse ele. "Não posso assumir a responsabilidade pelo emprego de todos."

Mas o fato é que ele emprega milhares.

A Stone Street Studios, que é dele, possui quatro estúdios com tratamento acústico, dois dos quais suficientemente sofisticados para que ele construa um rio com corredeiras em seu interior, como exigiram as cenas de "O Hobbit". A alguns quarteirões, a Weta Digital emprega mil artistas gráficos, técnicos e pessoal de apoio. Perto dali também fica a Weta Workshop, que produz objetos cênicos, cria mercadorias relacionadas aos filmes e atende encomendas de colecionadores ricos -como um tanque Panzer em tamanho real e funcionando.

A coleção de empresas ocupa tanto espaço que já ganhou um apelido: Wellywood.

No auge do turismo trazido nos últimos anos por "O Senhor dos Anéis", cerca de 6% dos visitantes internacionais, ou quase 150 mil pessoas, citaram os filmes como um motivo para a vinda.

Outros 11.200 disseram ser esse o único motivo.

Como explicou Key: "Peter é um peixe muito grande em um tanque bastante pequeno".


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