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Ensaio - Nicholas Wade

As lições dos "bons selvagens"

Como eram nossos ancestrais quando eles deixaram de ser caçadores e coletores para formar sociedades assentadas mais complexas? O antropólogo Napoleon Chagnon pode ter sido quem mais perto chegou da resposta, após 35 anos de estudo do povo ianomâmi do Brasil e da Venezuela.

Seu novo livro, "Noble Savages" [Bons selvagens] é uma aventura escrita mostrando como Chagnon aprendeu a sobreviver numa cultura e em um ambiente completamente estranhos, entre aldeias envoltas em guerras perpétuas e onças que perseguiam suas pegadas pela selva. A obra revela como o autor gradualmente remontou o funcionamento da sociedade ianomâmi, questão de grande relevância para a evolução humana recente.

Na década de 1960, quando Chagnon visitou os ianomâmis pela primeira vez, eles eram provavelmente o povo que mais próximo vivia de um "estado natural". Sua belicosidade não havia sido suprimida pelas potências coloniais. Eles haviam ficado tanto tempo isolados, inclusive de outras tribos amazônicas, que sua língua tinha pouca ou nenhuma relação com qualquer outra. Com apenas 25 mil indivíduos em 250 aldeias, os ianomâmis caçavam, cultivavam bananas e se atacavam incessantemente.

Uma das descobertas de Chagnon foi a de que os guerreiros que haviam matado um homem em combate tinham três vezes mais filhos do que aqueles que não matassem.

Seu trabalho, publicado em 1988, causou uma tempestade entre os antropólogos que acreditavam que a paz, e não a guerra, seria o estado natural da existência humana. Chagnon parecia estar dizendo que a agressão era recompensada e poderia ser herdada.

O viés geral da teoria antropológica é fortemente marxista, escreve Chagnon. Seus colegas insistiam que os ianomâmis estavam lutando por recursos materiais, enquanto Chagnon relacionava as brigas com algo bem mais básico -o acesso a moças em idade de casar.

Os homens formam coalizões para terem acesso às mulheres. Como alguns homens serão capazes de ter muitas, os outros precisam dividir a mulher ou ficar sem, criando uma grande escassez de mulheres. Por isso, as aldeias ianomâmis atacam-se constantemente.

Isso cria um problema mais complexo: manter a coesão social necessária para a guerra. Brigas por mulheres são um fator importante que leva uma aldeia a se dividir. Mas uma aldeia menor fica menos capacitada a se defender. A estratégia mais eficiente para manter uma aldeia ao mesmo tempo grande e coesa, por meio de laços de parentesco, é pelo casamento entre primos de duas linhagens masculinas. Chagnon concluiu que esse é, de fato, o sistema geral dos ianomâmis.

Após pressionar um dos seus informantes, o xamã Dedeheiwä, sobre os motivos que levaram a aldeia a se dividir sucessivamente em grupos menores e hostis entre si, Chagnon foi repreendido com o seguinte rompante: "Não faça perguntas tão idiotas! Mulheres! Mulheres! Mulheres! Mulheres! Mulheres!".

Em 2000, o escritor Patrick Tierney publicou um livro, "Trevas no Eldorado", acusando Chagnon e o conhecido geneticista James Neel de terem deliberadamente causado uma epidemia de sarampo entre os ianomâmis em 1968.

Dois dos críticos acadêmicos de Chagnon denunciaram-no à Associação Americana de Antropologia. A associação nomeou um comitê que, embora tenha inocentado Chagnon da acusação relativa ao sarampo, acusou-o de ir contra os interesses dos ianomâmis.

Em 2005, os membros da associação votaram por rescindir a aceitação do relatório do comitê.

"Noble Savages" é um notável testemunho do esforço de 35 anos de um antropólogo -originalmente formado em engenharia- para destrinchar o complexo funcionamento de uma sociedade humana intocada.


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