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Jair Raso

MMA e o glamour da violência

Para que o boxeador vá a nocaute, é necessário um mecanismo de torção do pescoço. Os neurônios perdem grande parte de suas conexões

O cigarro já teve a sua época de glamour, associado a grandes estrelas do cinema e a intelectuais. Hoje, o prestígio é da violência e as celebridades no Brasil são os atores das Artes Marciais Mistas (MMA). Wanderlei Silva, Anderson Silva, Rodrigo e Rogério Minotauro fazem publicidade, aparecem em programas de auditório e, o que é pior, inspiram o comportamento de milhares de pessoas, sobretudo jovens.

Pode-se chamar de arte ou esporte algo que lembra as "rinhas de galo" ou as lutas de gladiadores no império romano?

Além da violência inspirada por essas lutas, há o mal que elas causam à saúde dos lutadores. Dustin Jenson, lutador de MMA, morreu seis dias após sofrer uma lesão no cérebro durante uma luta em maio de 2012, nos Estados Unidos. O lutador de boxe brasileiro Maguila é um exemplo do portador de doença relacionada à luta: tem quadro de demência atribuído aos repetidos traumatismos cranianos sofridos durante sua carreira de lutador.

Há mais de 30 anos, a neurocirurgia fez uma série de estudos que mudou os paradigmas do diagnóstico e tratamento do traumatismo crânio-encefálico.

Grande parte desses estudos foi feita em animais. No entanto, os mais impressionantes foram aqueles realizados por meio da observação de vídeos dos nocautes nas lutas de boxe. O movimento da cabeça em cada golpe determina a gravidade da lesão no cérebro. Para que o boxeador vá a nocaute, ou seja, para que entre em coma, é necessário que o golpe sofrido faça um mecanismo de torção em seu pescoço, com os neurônios perdendo momentaneamente grande parte de suas conexões com o corpo.

Os estudos esclareceram os conceitos de lesão axonal difusa, amnésia lacunar e do coma de origem traumática. Quando um lutador é nocauteado, ele sofre uma lesão axonal difusa, que pode ser fisiológica ou anatômica. A última pode deixar danos irreversíveis.

A amnésia lacunar é a perda da capacidade de se lembrar de eventos que sucederam o traumatismo. Houve casos de lutadores que não se lembravam de um ou dois rounds numa sequência de luta em que caíram, mas conseguiram se recuperar. Um lutador sequer se lembrava se havia ganhado ou perdido determinada luta.

Em longo prazo, traumas repetidos no encéfalo podem provocar demência ou outros tipos de doença, como a Doença de Parkinson. Muhammad Ali (Cassius Clay), uma lenda do boxe internacional, é um dos exemplos.

O UFC (MMA), verdadeiro vale-tudo, é uma versão mais popular do boxe. Mas os mecanismos de agressão ao cérebro são os mesmos. Sequelas definitivas em seus praticantes também não são incomuns. Apesar disso, anunciadas com estardalhaço e assistidas por milhões de pessoas, as lutas garantem investimentos milionários nesse tipo de esporte.

Nesse aspecto, os animais estão mais bem protegidos. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 1978 pela Unesco, abomina toda forma de maus tratos de animais para divertimento dos homens. No Brasil, o governo Jânio Quadros proibiu as rinhas de galo e até hoje são caso de polícia. Os trabalhos sobre traumatismo crânio-encefálico tendo animais como modelos praticamente desapareceram.

Passa da hora da Declaração Universal dos Direitos Humanos fazer algo semelhante com essas estúpidas lutas, como o boxe e o UFC, versões de verdadeiras roletas russas. Não deveriam fazer parte do que consideramos esporte. Afinal, esporte é atividade relacionada à saúde e não à doença.

E além disso, para que fomentar mais violência em um mundo cada dia mais violento?

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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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