Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Opinião

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Ivo Herzog

TENDÊNCIAS/DEBATES

O assunto é: Vladimir Herzog

A Copa do Mundo é nossa, não dele

É intolerável que o anfitrião do principal evento esportivo de nossa história seja alguém que incitou a violência contra opositores da ditadura

Abro aspas: "Queremos prestar nossos melhores cumprimentos a um homem que, de há muito, vem prestando relevantes serviços à coletividade, embora nem sempre tenha sido feita justiça ao trabalho (...) Queremos trazer nossos cumprimentos e dizer do nosso orgulho em contar na polícia de São Paulo com o delegado Sérgio Paranhos Fleury".

Essa é apenas uma pequena parte do discurso proferido por José Maria Marin no dia 7 de outubro de 1976, quase um ano após a morte do meu pai. Poucos dias antes de seu assassinato, Marin havia subido à tribuna para pedir providências do Estado contra a TV Cultura, "a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nessa casa, mas principalmente nos lares paulistanos".

José Maria Marin não apenas incitou ações de violência contra os jornalistas que se opunham à ditadura brasileira (1964-1985), como também pediu o reconhecimento ao, para ele, exemplar trabalho executado pelos torturadores, sequestradores e assassinos daquele período.

Sérgio Fleury foi o principal agente do governo de comando das ações "secretas" do DOI-Codi em São Paulo. Centenas de pessoas foram presas e torturadas. Dezenas assassinadas. De algumas, até hoje, os familiares não têm informação sobre o paradeiro dos corpos.

O Brasil receberá o mundo para o maior evento esportivo de nossa história. O anfitrião dessa festa, nosso principal representante, será José Maria Marin. Ou não! Acredito que, à medida que revelarmos o caráter dessa pessoa, aqueles que estão à frente do nosso futebol e outros setores da sociedade pedirão sua saída.

É aceitável uma entidade privada ter na sua liderança uma pessoa de princípios que, suas próprias palavras o confessam, seguem na direção oposta à democracia e à defesa dos direitos humanos? Eu acho que não.

Há inúmeros casos de empresas que substituíram seus presidentes ao descobrirem fatos passados que conflitavam com os valores institucionais. A Fundação Livestrong, criada pelo ciclista Lance Armstrong, o removeu da presidência com a revelação do uso de doping.

Quais os valores dos representantes do nosso futebol?

A CBF, as 27 federações estaduais de futebol e os 20 clubes da série A têm agora conhecimento do passado de Marin. Cópias de seus discursos e da petição com mais de 53 mil assinaturas pedindo sua saída foram entregues a essas entidades.

Nosso país se orgulha da alegria e receptividade de seu povo. Um povo que sofreu as maiores demonstrações de intolerância da história da humanidade: o quase extermínio dos povos indígenas. Séculos de escravidão. E décadas de autoritarismo de um Estado não democrático.

Hoje, conquistamos a democracia com a contribuição de movimentos sociais e com inúmeras concessões (ainda difíceis de digerir), como a Lei da Anistia. Mas, dentre aqueles que violaram direitos humanos e executaram ações de tortura e assassinato, há não só os que não puderam ser trazidos à Justiça, como muitos que nem sequer têm seus nomes conhecidos.

Pensar em recompensar um desses personagens com a glória de ser o responsável por receber o mundo em nome do povo brasileiro na ocasião da Copa do Mundo é inaceitável. Intolerável. A Copa do Mundo é nossa. Não do Marin.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página