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Opinião

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Fetiche químico

Armas químicas, além de matar pessoas, parecem afetar o inconsciente coletivo --em particular, as percepções sobre guerra e justiça.

O conflito na Síria já produziu, em dois anos e meio, mais de 100 mil mortos, mas essa carnificina não foi suficiente para que potências ocidentais se decidissem por uma intervenção militar no país.

Bastou, contudo, que surgissem evidências de que gases tóxicos foram utilizados, matando cerca de mil pessoas, para que o jogo mudasse. Um ataque dos EUA e aliados agora é dado como iminente.

Para justificar a iniciativa, terão de fazer uma interpretação elástica da legislação internacional. A Síria não é parte na Convenção para a Proibição de Armas Químicas, e há quem questione se o Protocolo de Genebra, que trata do assunto, se aplica a conflitos internos.

O que armas químicas têm de especial? É difícil dizer. Do ponto de vista das vítimas, não faz tanta diferença ser morto por um agente nervoso ou por estilhaços de metal.

Em termos de letalidade, armamentos convencionais são muito mais danosos. Mesmo na Primeira Guerra Mundial, em que gases tóxicos foram utilizados à farta, armas químicas responderam por cerca de 100 mil dos 10 milhões de combatentes mortos --ou 1% do total.

De lá para cá, em larga medida graças ao tabu que se criou, foram raros os usos de armas químicas. Até os nazistas, quando já perdiam a guerra, evitaram empregar gases tóxicos no campo de batalha.

Quem lançou mão desse recurso de forma mais ou menos sistemática foram os egípcios, na desastrada intervenção no Iêmen nos anos 1960; Saddam Hussein, contra iranianos (e curdos iraquianos) no final dos anos 1980; e, agora, a Síria.

Ou seja, quase nada quando se considera que, no período, ocorreram centenas de conflitos que deixaram milhões de mortos.

Ao analisar o tema em "Os Anjos Bons da Nossa Natureza", o psicólogo evolucionista Steven Pinker sugere que a mente humana nutre horror especial ao envenenamento. É o método dos feiticeiros, não dos guerreiros, diz. Utilizar gases seria ato particularmente covarde.

É provável que também contribuam para o tabu ideias como a de que agentes tóxicos provocam morte lenta e agonizante, ou a de que não permitem distinção clara entre alvos militares e civis.

Ainda que tais noções sejam em certa medida irracionais, é válido tirar proveito delas. Mecanismos de autocontenção baseados em impulsos morais explicam vários avanços civilizatórios, e a humanidade só tem a ganhar com a proscrição do uso das armas químicas.


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