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Arroz ideológico
Apesar de os organismos geneticamente modificados (OGMs) existirem desde 1972, a discussão, ainda hoje, se trava mais em termos ideológicos do que racionais.
Na mais recente batalha dessa guerra, manifestantes filipinos invadiram uma fazenda e destruíram mudas de um tipo de arroz geneticamente modificado para produzir betacaroteno, um precursor da vitamina A.
O ato logo mobilizou cientistas de todo o mundo, que fizeram um abaixo-assinado em favor do arroz dourado, como é conhecido.
O primeiro erro é tratar todos os OGMs como se fossem a mesma coisa. A transgenia é um conjunto de técnicas de engenharia que possibilitam introduzir genes de uma espécie em outra. Isso permite fabricar desde plantas venenosas até alimentos mais saudáveis.
A tecnologia pode ser usada tanto para multiplicar os lucros de empresas como para aumentar a produtividade de pequenos lavradores e melhorar a vida de populações vulneráveis.
Um debate equilibrado exigiria que OGMs fossem avaliados em sua especificidade, com análise de riscos e benefícios de cada produto.
No caso do arroz dourado, há motivos para crer que as vantagens potenciais superem os riscos. A vitamina A é um micronutriente essencial para o bom funcionamento da visão e do sistema imune.
Estima-se que sua carência provoque em todo o mundo de 250 mil a 500 mil casos de cegueira infantil por ano e concorra para a morte de 2 milhões de pessoas devido a doenças que não seriam fatais se as defesas estivessem em ordem.
Os riscos, é claro, existem. Perigos mais óbvios, como o de produzir alergias severas em humanos ou de transpolinização com espécies nativas, podem ser testados e até certo ponto controlados pelos cientistas. Mas há também perigos desconhecidos, contra os quais nada se pode fazer --o que vale para qualquer produto novo.
De toda maneira, muitos dos grupos que se opõem ao arroz dourado se apoiam em argumentos bem mais tacanhos, como o de afirmar que esse OGM é uma espécie de cavalo de Troia, cujo objetivo seria conquistar o apoio da opinião pública aos transgênicos e, assim, abrir caminho para os lucros de grandes corporações.
Mesmo que isso fosse verdade --e não parece ser o caso--, continuaria sendo irracional opor-se a um produto com potencial para salvar milhares de vidas.